Coral Santa Cecília 80 anos - A musicalidade da família Lorenção na história do Coral
Ao completar 80 anos, o Coral Santa Cecília continua sob o desafio de ser o porta voz musical de uma história de 150 anos da imigração italiana no Espírito Santo, mais especificamente em Venda Nova. Com fundadores da terceira geração das famílias de imigrantes italianas que chegaram no município, o Coral tem uma rica história, cheia de vitórias e conquistas.
Máximo Lorenção até pouco tempo representou a ala de sua família no Coral e, agora mesmo afastado de suas funções, tem na memória momentos importantes a serem compartilhados e que contam um pouco da história musical de Venda Nova. Ele é irmão de Laurentino, que foi levado por padre Cleto Caliman (idealizador do Coral) para Jaciguá, Vargem Alta, especialmente para estudar música e ajudar a fundar o Coral. Lá, o rapaz trabalhou na lavoura durante o dia e fazia aulas durante a noite junto aos Salesianos e, depois de meses, retornou para Venda Nova, onde se dedicou a ser o organista do Coral.
“Padre Cleto idealizou o Coral e Laurentino o tornou realidade. Antes, no dia 28 de dezembro de 1943, padre Cleto foi almoçar na casa de meu pai (Francisco) e pediu permissão para que seus filhos ingressassem no coral que ainda seria criado”. A primeira apresentação foi na missa de Natal de 1944, um ano depois da autorização.
Laurentino ficou à frente do coral formado por pouco mais de 20 pessoas durante dois anos, até que o Exército o convocou, em 1948, deixando a responsabilidade para o irmão Emiliano Lorenção, a quem ensinou o ofício. Dos sete irmãos, conta Máximo, cinco se identificavam com a música e eram bons com os instrumentos musicais. Máximo, o mais novo, já tocou violão, clarinete, saxofone e foi o organista, seguindo os passos dos dois irmãos.
Laurentino se destacou no Exército por suas habilidades musicais e se tornou chefe da ordem. “Ele tocava Clarim para o presidente Getúlio Vargas e nos momentos que marcavam as mudanças de rotina. Muito estudioso, meu irmão chegou ao final da vida dominando 16 instrumentos musicais”.
Aos 95 anos, Máximo tem uma memória invejável. Ele entrou no coral em julho de 1946, quando retornou de Lavrinhas, São Paulo, onde estudava junto aos Salesianos. Lá, ele deixou colegas como Clementino Caliman, que entrou no coral mais adiante. Por lá, além de Clementino, também passaram seus irmãos Benito, Leandro e Cleto Caliman.
Máximo se recorda que os ensaios eram na casa de seus pais, o que facilitou o rapaz solteiro a ingressar no Coral. Ele trouxe a experiência de tocar clarinete, saxofone, violão e escaleta no colégio. “Tocávamos de ouvido, sem professor, e acompanhava um método chamado canhoto”. Máximo foi também integrante de uma banda musical.
Outro motivo para os ensaios se concentrarem na propriedade de Francisco era a presença de energia elétrica, um dos poucos lugares de Venda Nova a contar com o benefício. Durante muito tempo os ensaios se concentravam numa casa antiga e inabitada, localizada ao lado da de Emiliano.
Apesar da cultura musical, Máximo fala da educação familiar severa e dominadora da época. "Lembro-me da história de que meu avô Lorenço Lorenzoni ensinava os namorados das filhas a cantar. Quando eles chegavam, colocava as filhas para fazer café e ensinava Vicente, Rafael e José Falqueto a cantar as músicas da igreja. Eram clássicos como 'O Ofício das Trevas', em italiano”. José Falqueto, no caso, era namorado de Angelina Lorenção, e o casal são os pais de Romualdo Falqueto, maestro do coral.
Máximo também se recorda que a época da fundação do Coral era de repressão, pois durante a Segunda Grande Guerra Mundial o Governo Brasileiro proibiu os imigrantes a se manifestarem em sua própria língua. "Eles falavam tudo em italiano e, de repente, não podiam falar nem sobre a Itália, senão era preso. Acredito que isso fez perder o interesse pela cultura italiana, pela língua e alguns costumes. O Coral, através da música, preservou e trouxe muito da cultura para as novas gerações".
No entanto, as proibições em torno dos imigrantes e seus descendentes não conseguiram interferir na vida de fé e na religiosidade. Padre Cleto, que foi ordenado no dia 8 de dezembro de 1943, além de um ícone religioso, se tornou o grande propulsor de projetos de diversas naturezas. Um deles foi a criação do Coral Santa Cecília.
Clementino Caliman, 86 anos, que ao retornar do colégio Salesiano em Jaciguá em 1946, já encontrou o Coral em atividade e se incorporou ao grupo. No entanto, ele já fazia parte da cantoria que inspirou seu irmão padre Cleto ao visitar a escola logo após a ordenação. "Padre Cleto quis então celebrar com música a sua primeira missa em Venda Nova. Ele trouxe a banda e o coral para a celebração e todos apreciaram a missa cantada e quiseram que a comunidade também tivesse um grupo". Clementino lembra que o pároco Emílio Bertoldero, o primeiro vigário da Paróquia, foi um grande incentivador.