Português (Brasil)

Adolescentes: atenção e cuidado com eles nesta fase da vida

Adolescentes: atenção e cuidado com eles nesta fase da vida

Período da vida de mudanças peculiares merece atenção especial às demandas desse processo. Como identificar os comportamentos que são sinais de alerta a fim de evitar grandes sofrimentos?

Compartilhe este conteúdo:

Apesar de sua especialidade, dermatologia, ser ligada à estética e ao tratamento de patologias ligadas à pele, a médica Arianne tem percebido com frequência adolescentes que chegam ao seu consultório apresentando sinais de automutilação, de autoagressão, que aparentemente é um transtorno mental manifestado em pequenos cortes pelo corpo.

Uma fase de mudanças peculiares, as mais visíveis são menos complicadas de tratar, como os problemas relacionados à pele. Muitos adolescentes chegam ao consultório da dermatologista- às vezes por demanda própria e muitas outras por iniciativa dos pais- em busca de resolver problemas com acnes e espinhas. No entanto, a dor maior muitas vezes está na psique ou na alma. “Quando incomoda os adolescentes, cuidar da pele ajuda bastante na autoestima, pois nesse período da vida tudo que eles querem é serem aceitos e admirados no seu meio. Uma pele maltratada muitas vezes rende piada e mesmo que alguém não fale nada, eles querem se sentir bem”.

Ao perceber sinais de automutilação em muitos desses jovens, algumas vezes calados e acuados pelas críticas ou brincadeiras dos pais, Arianne achou importante fazer o alerta. Para ela, o pior tem sido perceber que as mães não estão ligadas no risco do quadro e no quanto estão sofrendo esses adolescentes. “Eu cito as mães, pois sempre são elas que acompanham seus filhos nas consultas, mas acredito que esse tipo de comportamento seja também dos pais, tios e outros familiares adultos. Algumas dizem que são coisas comuns entre os 'aborrecentes' e que isso vai passar, numa demonstração de que os sentimentos dos seus filhos não precisam ser levados a sério”.

“Eu acredito que o quadro difere de tentativa de suicídio, mas entendo que a automutilação deve ser sempre tratada como uma demonstração de tristeza e de pedido de socorro. Para Arianne, estes comportamentos podem ser encontrado em adolescentes que estão em estados de depressão, isolamento, não conseguem lidar com afetos de raiva, de ódio e de frustrações e acabam se cortando para aliviar as tensões emocionais que não podem ser elaboradas e pensadas”.

 “Penso que, por exemplo, alguém pode se autoagredir para se punir por certos pensamentos ou comportamentos, para comunicar sofrimento insuportável, para reduzir sua dor emocional concentrando-se na dor física, ou como para se sentirem vivos precisam ser entorpecidos pela dor dos ferimentos do que enfrentar a dor interna dos afetos”, diz a dermatologista, que buscou na leitura o entendimento do assunto.

Apesar de pensar que nem sempre a automutilação não esteja de imediato associada a sentimento suicida, Arianne acha que os pais precisam ser alertados e necessitam receber ajuda para lidar com a situação que pode se agravar, ao deixar o jovem vulnerável.

 

O papel dos pais e da família

Para a médica Cláudia Pires, que atua no Grupo Yvonne Pereira, da Associação Médico Espírita do Estado do Espírito Santo, de apoio às pessoas que já tentaram suicídio e aos familiares enlutados-, apesar de oferecer algum alívio breve, a automutilação não altera e nem resolve nenhum dos problemas e, em vez disso, pode danificar o corpo e fazer com que a pessoa se sinta culpada, envergonhada e até mais angustiada do que se sentia antes. “Embora possa não ter a intenção suicida, a automutilação pode está fortemente relacionada, pois em vários casos de suicídio encontramos a história prévia de automutilação e doenças mentais associadas (em até 67% dos casos)”.

No dia que nos concedeu entrevista, Cláudia tinha acabado de encaminhar uma adolescente para avaliação no Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves - Heimaba, que é referência no atendimento de crianças e adolescentes com doenças mentais e que tentaram suicídio. A unidade dispões de 10 leitos de internação psiquiátrica para este público.

“Na nossa Jornada Espírita da Região Sul do Espírito Santo, canal do youtube na RAETV, pelo médico André Seabra, foi abordado o tema ‘Jovens – Desafios e Possibilidades’, chamando a atenção para os cuidados nesta fase da vida. Pela natureza do seu processo de amadurecimento físico, mental, cognitivo e intelectual e pelas cobranças da véspera da vida adulta, eles estão muito vulneráveis e necessitam ser acolhidos, ouvidos e auxiliados neste momento que dizemos que é de uma ‘efervescência hormonal’. A brincadeira de chamar essa fase da vida de 'aborrescência' é cultural e de extremo mau gosto. Precisamos despertar os adultos e também a Saúde Pública, pois há profissionais que cuidam da criança (pediatras) e depois os que cuidam do jovem adulto, mas não existe uma especialidade para os adolescentes, que ficaria a cargo do hebiatra. Especialidade que está em desuso”, alerta Cláudia.

De imediato, para começar a preencher esse hiato, é preciso chamar a atenção para o tema, principalmente fazendo os adultos entenderem que é normal ter crises nessa fase. Cláudia faz essa avaliação ao chamar a atenção para o que é chamado de Síndrome da Adolescência Normal. “O que não é normal é a forma como os adultos lidam com a crise, com as angústias e incertezas dos adolescentes, fazendo brincadeiras de mau gosto, não valorizando os sentimentos e, muitas vezes, criando situações que fazem com que essas dores se tornem crônicas e construindo de vez a base de um adulto doente”.

Ela ainda afirma que o isolamento faz parte dos comportamentos comuns entre os adolescentes. “Cabe ao adulto avaliar até onde o isolamento é próprio da idade ou se o quadro já se tornou patológico. Não se pode avaliar isoladamente esse comportamento, mas prestar atenção se o adolescente está cuidando do que realmente importa, como da alimentação, de seu corpo e de suas atividades escolares e sociais”.

Também existe uma informação equivocada entre os adultos, que se beneficiam do silêncio das crianças e adolescentes, como 'se eles estão quietos e não incomodando, estão bem'. A surpresa, de acordo com Cláudia vem muitas vezes com a reprovação no ano escolar, conflitos interpessoais na escola ou no lar, ou com uma gravidez precoce da menina ou da namorada do filho. “Eu nem sabia que ela estava tendo vida sexual”, disse sobre a fala das mães, que mais comumente acompanham as filhas ao consultório médico.

Dentro desse cenário, a Escola, na avaliação de Cláudia, é a que muitas vezes desnuda os problemas, devido ao desempenho ruim ou pelo comportamento dos alunos. “Os pais precisam acompanhar tudo, principalmente o que eles fazem na internet. Não existe dar privacidade, sem vigilância, ao filho numa idade tão perigosa. Os filhos precisam saber que os pais são figura de autoridade e estes, que não podem ficar reféns das vontades dos filhos”. É preciso estar junto, participando da vida do filho e daí desenvolver parcerias saudáveis com estes filhos.

Cláudia diz isso fazendo um contraponto: ao mesmo tempo que muitos pais não percebem os sentimentos dos filhos, fazendo brincadeiras e comentários destrutivos, eles dão liberdades que eles ainda não têm maturidade para vivenciar. “Essa liberdade, muitas vezes, se dá pela comodidade de acompanhar mais de perto os movimentos dos filhos, seja no mundo virtual como no real”.

“Tenho ficado muito preocupada com a quantidade de adolescentes, cada vez mais novos, ingerindo bebida alcoólica. Eles fazem uma festa de 15 anos onde proíbe a garotada de beber, mas disponibiliza bebida alcoólica. Como é que fica a cabeça do adolescente diante dessa contradição? É muito simples argumentar para agir: a lei proíbe menores de beber e isso basta para os pais a cortarem do cardápio”.

Cláudia afirma que o adolescente está em busca da sua identidade. “É uma fase de transformação no corpo, da descoberta da sexualidade e também de definição profissional. É muita coisa para essa cabecinha, cujo o cérebro também está em formação. Eles são sonhadores, levam a sério o que consideram justo ou não e é natural que comecem a questionar os valores da sociedade e da própria família. Há um distanciamento natural da família e aumenta o interesse pelo mundo lá fora. No entanto, eles querem se sentir acolhidos e protegidos pelos pais”.

Nessa fase de transição, faz parte do perfil do jovem questionar a religiosidade e, mesmo que haja um afastamento, uma boa base de formação espiritual fará muita diferença. “A fase de mudança afeta muitos setores da vida e precisa ser bem acompanhada pelos pais. Observar a qualidade do sono, se está emagrecendo ou engordando demais, se consegue achar graça nos momentos leves da vida, participa de atividades que sempre deram prazer, se mantém um grupo de amigos, com as quais faziam diversas atividades; ajuda os pais a perceberem se esse filho vai dar conta de passar por essa crise existencial sem adoecer. É uma fase de explosão”.

Por outro lado, o comportamento da criança e do adolescente costuma ser um reflexo do que está acontecendo em casa. Isso quer dizer que a origem do problema pode estar no arranjo familiar ou numa situação complicada pela qual a família está passando, como o adoecimento de alguém ou problemas financeiros.

“O fato é que não temos superpoderes e não vamos conseguir tirar toda dor que os nossos filhos possam sentir. Temos que estar ao lado e admitir que temos que aprender a esperar, suportar, que também podemos chorar, viver o luto de uma perda- que pode ser causada pela morte de alguém amado, um término de um namoro ou de uma amizade ou ainda pela queda do padrão de vida. Acima de tudo, há de se respeitar a dor de uma criança e de um adolescente, ainda imaturos para elaborar perdas. Imaturos, mas não incapazes. E esse processo de aprendizado requer respeito, empenho, consideração e muita amorosidade por parte dos  cuidadores”, finaliza Cláudia.

 

Um pacto feito no dia do casamento

Como enfrentar os desafios e administrar um lar e cuidar dos filhos é um pacto que deve ser feito ainda no namoro e reafirmado no dia do casamento. A afirmação é de Osvaldo Damasceno, juiz de paz e psicoterapeuta de casais. Muito solicitado para presidir cerimônias de casamento, ele se preocupa em deixar uma mensagem consistente sobre as responsabilidades do casal, sempre se preocupando em dizer sobre a igualdade desse ônus que geralmente sobrecarrega as mulheres.

O terapeuta de casais disse que a grande maioria dos problemas que surge na adolescência vem de pais que têm desajustes nos casamentos, o que forma uma bola de neve ao reverberar os traumas dos cônjuges nas crianças. “Se ajudarmos os casais eles, além de conseguirem estabilizar o casamento, criarão filhos mais saudáveis psicologicamente e capazes de no futuro criar uma família harmônica”.

Damasceno tem em sua conta mais de 2.000 casamentos onde foi o orador principal. “Já fiz muitos casamentos que passados dez anos o casal me procurou para apresentar os filhos. Isso demonstra que eles se propuseram a criar uma família quando realmente tinham algo a oferecer e que cada um tomou consciência do seu real papel. Sempre falo ao casal, estimulando a cumplicidade, o respeito e a divisão justa de tarefas, assim como o carinho mútuo”.

“Quando um casal me procura para um atendimento, sempre os ouço separadamente e o tratamento passa pela mudança de seu 'mapa mental'. São costumes e crenças arraigadas que precisam ser transformadas para que cada um, homem e mulher, se transformem e promovam a plenitude na vida do casal”.

Damasceno evidencia que o comportamento tradicional do homem, que não participa das necessidades do lar e da vida dos filhos, deixa as mulheres sobrecarregadas, sem disposição para uma vida conjugal plena. “Uma mulher estressada e um homem distante só pode resultar numa crise. E não tem como os filhos saírem ilesos. Para uma vida plena é preciso equilibrar os pilares: financeiro, espiritual e afetivo”.

No entanto, Damasceno reconhece que o problema é coletivo e se trata de uma realidade complexa. “Sugiro todas as religiões, escolas e entidades em geral passarem a propor algo para envolver e ajudar essas famílias. Se crianças, jovens e casais receberem algum tipo de ajuda teremos mais possibilidade de quebrar esse ciclo. Ainda somos muito omissos e precisamos nos mobilizar para tentar pelo menos minimizar essa realidade. Nos consultórios se trata de forma individual e tento multiplicar o que aprendi em anos de estudo e em minha experiência nas palestras que sou convidado a fazer”.

 

Compartilhe este conteúdo: