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A nossa história contada pela gastronomia

A nossa história contada pela gastronomia

Data de Publicação: 29 de junho de 2018 11:13:00 As influências do imigrante italiano, dos negros e do tropeirismo construíram uma rica e diversificada oferta culinária

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Dona Carmem Feitosa Altoé exibe uma broa de polenta velha, uma receita que significava
a última oportunidade de aproveitamento da polenta. 

Venda Nova é a terra da polenta e do socol (agora com Indicação Geográfica) e, junto com a comunidade de Pedra Azul (Domingos Martins), é dona de uma rica diversidade gastronômica. Toda a riqueza alimentar encontrada por aqui é resultado de mais de um século de história, tendo em vista as diferentes influências e heranças de costumes.

Tanto em Venda Nova quanto em Pedra Azul há o predomínio das famílias descendentes de imigrantes italianos que, caprichosas, criaram muitos pratos. Alguns simples de subsistência e outros mais sofisticados compõem verdadeiras atrações.

Quando os primeiros imigrantes italianos chegaram na região, por volta de 130 anos, passaram a trabalhar nas fazendas abandonadas pelos descendentes de portugueses, que não contavam mais com a mão de obra escrava. Antes, porém, a região era dos índios. Todos estes povos influenciaram de alguma forma a maneira de extrair o alimento do trabalho no campo, aos arredores da casa e dentro do lar.

As adversidades enfrentadas pelos imigrantes italianos fizeram com que criassem várias alternativas de aproveitamento e armazenamento do alimento. Afinal, eles saíram de uma Itália assolada pelo rastro de miséria deixada pela Guerra. Depois de mais de 20 anos de lutas para a unificação do país, sua população, particularmente a rural e mais pobre, tinha dificuldade de sobreviver quer nas pequenas propriedades que possuía ou onde simplesmente trabalhava, quer nas cidades, para onde se deslocava em busca de trabalho.

Nessas condições, portanto, a emigração iniciada em 1860 era não só estimulada pelo governo, como era, também, uma solução de sobrevivência para as famílias. Em 1920 a imigração estimulava a vinda de famílias, e não de indivíduos isolados, e até 1930 chegavam famílias numerosas, de cerca de uma dúzia de pessoas, e integradas por homens, mulheres e crianças de mais de uma geração.

Tanto as ofertas locais quanto os conhecimentos das famílias de imigrantes criaram uma culinária singular. As mulheres usavam a criatividade para aproveitar as matérias-primas disponíveis, bem como servir de forma diferente o mesmo alimento... Neste contexto vale destacar a polenta, que era feita dura ou mole, dependendo da intenção da cozinheira. Depois de pronta, geralmente logo pela manhã, era servida no café (no prato e com leite), no almoço (compondo o prato do dia a dia), no café da tarde (com nata ou leite) e também no jantar (na chapa – ou brustolada- para revigorar a receita).

Com criatividade, transformava-se a polenta velha até numa deliciosa broa, como fazia Dona Brígida, a mãe de Carmem Feitosa Altoé. Dona Carmem nos conta que a polenta dormida era amassada e misturada com açúcar mascavo, ovos, banha de porco, erva doce e ainda um punhado de torresmo prensado. A mistura era assada sobre folhas de bananeira. A broa aguentava oito dias armazenada em latas de querosene.

O primeiro automóvel chegou em Venda Nova em 1930 e, junto com o ronco dos motores, trouxe também transformações. Até então, as comunicações e os transportes de carga eram feitos exclusivamente pelos tropeiros, que também trouxeram influências na culinária de outras comunidades e culturas.

Em 1915 chegam as máquinas, os engenheiros e os primeiros operários para construir a BR 262. Estes homens se hospedaram na pensão de Dona Brígida, que além de parteira, foi dona da primeira pensão de Venda Nova. Para produzir os alimentos servidos ela usava muito o fubá, o queijo, a puína, a carne de porco e os embutidos feitos com o aproveitamento do animal, como o museto e a linguiça para fazer as receitas básicas e também enriquecer os pratos dos hóspedes.

Broa de polenta -  O alimento era amassado com garfo e depois misturado com
açúcar mascavo, gemas de ovos e banha de porco e a receita era assada em
forno de barro, sobre folhas de bananeira e a broa podia ser
guardada durante oito a dez dias.

A polenta foi um dos principais alimentos de subsistência das famílias de imigrantes e também fazia parte dos pratos dos visitantes. De tão importante, ganhou um evento especial que este ano vai entrar em sua 40ª edição. A Festa da Polenta foi criada pelo saudoso padre Cleto Caliman que, por ironia, não gostava do alimento quando criança e fazia mil artimanhas para livrar seu prato da iguaria.

Como não existia geladeira a necessidade de armazenamento do alimento foi a mãe da criação e da perpetuação de tantas receitas, como os embutidos de porco. Aproveitava-se quase tudo do animal abatido e, dentre estas receitas, o socol ganhou notoriedade e hoje, junto com a polenta, divide os holofotes da gastronomia típica de Venda Nova.

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