O agroturismo e as novas possibilidades
Data de Publicação: 24 de fevereiro de 2017 09:12:00 Uma visão de Luiz Perim, empreendedor que idealizou o Alpes Hotel, um ícone na história da hospedaria de Venda Nova e o propulsor do agroturismo como atividade econômica para as famílias rurais
![]() |
Luiz Perim, o idealizador do Alpes Hotel. O Alpes é um marco na história
econômica e cultural do lugar onde se instalou.
|
Nas vésperas de completar 25 anos, o Alpes Hotel, apesar de urbano, traz em sua marca o incentivo ao agroturismo como legado. De lá pra cá, a realidade mudou muito e, como tudo na vida, a atividade precisa ser renovada, reajustar rumo e se reinventar para se fortalecer.
Na visão de Luiz Carlos Feitosa Perim, o movimento slow food tem tudo a ver com o que é produzido em Venda Nova e explorar esta nova forma de consumo faz revigorar o que existe de mais autêntico na produção e culinária local. Este é num novo conceito de alimentação que está ganhando o mundo, em contraponto ao 'fast food', a comida rápida difundida pelo mercado Norte Americano.
“No slow food se valoriza a origem e a cultura do modo de preparo do alimento, que requer cuidado e dedicação. Podemos citar o socol como um bom exemplo, pois leva meses para ser produzido e requer uma dedicação no preparo, além de ser uma receita de família, tem história, tem origem”, descreve Perim.
Dentro desse conceito, novos empreendimentos podem surgir, assim como os atuais podem alinhar a sua linha de oferta, como os cardápios dos restaurantes, ao servir por exemplo a típica polenta feita com fubá moído em moinho de pedra. “O consumidor pode acompanhar de perto a produção do alimento e ainda visitar as propriedades que produzem a matéria-prima ou as iguarias que compõem os pratos.”
Ao sugerir a apropriação de um novo conceito para agregar à atividade turística de Venda Nova e de toda região, Perim avalia como naturais as transformações ocorridas em várias propriedades envolvidas com o agroturismo, migrando sua produção para a agroindústria.
“Não se trata de crítica à agroindústria. Penso que é outra atividade que soma às ofertas turísticas, mas que difere em sua essência do agroturismo. A agroindústria é muito importante, pois mantém o emprego no meio rural, valoriza as matérias-primas locais e regionais e tem o mesmo compromisso ético do agroturismo”. Perim defende uma legislação que favoreça este setor, pois nessa modalidade, o cliente pode conferir in loco o modo de produção e decidir se quer ou não consumir aquele produto.
Quando a produção caseira e tipicamente rural ganhou o nome de “agroturismo”, surgiu em Venda Nova uma nova forma de as famílias acrescentarem renda e manterem um posto de trabalho para todos os seus membros. Como acontece até hoje, a cultura do café e os hortigranjeiros eram as principais fontes de renda, pontuada pelo gado leiteiro, pela criação de porcos e pelo cultivo de hortas, colaborando para uma criativa e rica culinária, que encantava a própria comunidade e os visitantes.
O Alpes e o agroturismo
Engenheiro de formação e com carreira pública consolidada na capital capixaba, ao participar do processo de emancipação de Venda Nova (pelos idos do final da década de 80), Luiz Perim passou a ter contato com vários órgãos, dentre eles o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo- Bandes. “Soube de uma linha de crédito que incentivava a construção de hotéis e foram erguidos 48 em todo o Estado na época. Tia Carmem era dona de um terreno, onde ainda estava erguida a antiga casa de Nina Minete e a ideia foi bem aceita pela família.”
Para colocar o projeto que coordenava em ação, seu irmão Domingos Perim tomou conta das compras, sua cunhada e arquiteta Cátia ficou responsável pelas obras, assim como seu primo José Roberto Feitosa Altoé, pela contabilidade. Luiz buscou recursos em linhas de crédito e resolveu várias questões legais e burocráticas, assim como buscou inspiração para dar identidade ao hotel.
Apesar de cravado na área urbana e bem instalado nas margens da rodovia BR- 262, o Alpes Hotel nascia em um município sem grandes atrativos naturais, como cachoeiras, rios ou picos. “Percebi então que o próprio povo e sua cultura seriam o apelo para atrair hóspedes. Venda Nova era um lugar onde a cultura estava mais preservada e, por ainda nem ser distrito, contava com o movimento da própria comunidade para evoluir, principalmente com o voluntariado. Não existia o poder público aqui e a própria comunidade precisava tomar iniciativa.”
O que é o movimento slow food
Comer é fundamental para viver. A forma como nos alimentamos tem profunda influência no que nos rodeia - na paisagem, na biodiversidade da terra e nas suas tradições. Para um verdadeiro gastrônomo é impossível ignorar as fortes relações entre prato e planeta. Além disso, melhorar a qualidade da nossa alimentação e arranjar tempo para a saborear, é uma forma simples de tornar o nosso cotidiano mais prazeroso. Esta é a filosofia do slow food.
Fundado por Carlo Petrini em 1986, o slow food se tornou uma associação internacional sem fins lucrativos em 1989. Atualmente conta com mais de 100.000 membros e tem escritórios na Itália, Alemanha, Suíça, Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido, e apoiadores em 150 países.
O princípio básico do movimento é o direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto as pessoas responsáveis pela produção, os produtores.
O slow food opõe-se à tendência de padronização do alimento no Mundo, e defende a necessidade de que os consumidores estejam bem informados, se tornando co-produtores. *Fonte: site slow food Brasil
Perim conta que, neste hábito de vida comunitária, as famílias faziam seus produtos caseiros e forneciam umas para as outras. “Algumas famílias se destacavam na produção de uma determinada iguaria: uma era referência em fazer queijo, uma em socol, a outra em biscoitos... Assim construímos um roteiro de visita, para levar os turistas até as propriedades.”
A produção de socol, por exemplo, era pequena, apenas para consumo próprio e para ocasiões especiais, principalmente quando a família recebia a visita de um padre. “Imagina que se produzia no máximo duas peças por animal abatido. A oferta era muito restrita.”
Em um de seus encontros com Ronald Mansur, na época diretor do programa Jornal do Campo da Rede Gazeta de Televisão, o jornalista sugeriu a criação de uma associação que congregasse estes produtores. Além de organizar e dar nome à atividade já existente, uma Associação daria vista ao agroturismo aos olhos dos órgãos estaduais.
E os produtores se uniram diante de uma possibilidade de renda e esta nova atividade não anulava a agricultura, mas agregaria. O Hotel então abriu espaço para sediar a Agrotur e também a loja do agroturismo. “A Loja era um espaço democrático, onde todos os produtores, independente do porte, tinha espaço para divulgar o seu produto. Era um espaço gerido coletivamente, com alternância nos plantões de finais de semana entre os próprios produtores.’’
Para fortalecer a atividade, apoiadores como Ronald Mansur foram fundamentais para divulgar os atrativos gastronômicos. A Secretaria Estadual de Agricultura, o Mepes (Escola Família Agrícola), a Prefeitura e o Sebrae se tornaram parceiros importantes.
E foi junto com o Sebrae e a Secretaria de Estado da Agricultura- Seag, que no ano de 1994, Venda Nova sediou um encontro e trouxe o italiano Roberto Tessari para explicar o conceito de agroturismo, que é produzir com a matéria-prima da própria propriedade (e de vizinhos) e a mão de obra predominantemente familiar e abrir as porteiras para receber o turista. Este turista conhece então a vida no campo e como os produtos que vai comprar são produzidos.
As famílias rurais pioneiras foram então a Carnielli (com os queijos), a Lorenção (com o socol), a Altoé (com os biscoitos e licores tia Cila) e a alemã Josepha Müller, que produzia geleias com frutas sem agrotóxicos dos quintais.
Com o passar dos anos, novos produtores incorporaram o agroturismo e, para Luiz Perim, historicamente a atividade cumpriu seu papel social de manter a família rural em sua atividade principal, vivendo melhor no campo e com autoestima elevada. “As novas gerações saíram para buscar formação ou estudaram na região e estão assumindo os projetos familiares, com ampliações e melhorias.”
Quanto a meta de manter a matéria-prima da propriedade ou do vizinho na produção das iguarias, Perim diz que corresponde à realidade atual. E essa necessidade de ampliar as fontes de matéria-prima fez surgir as agroindústrias, que vêm para somar e ser um atrativo a mais, apesar de não poder ser denominado agroturismo.
“O importante é que essas famílias rurais se mantiveram no campo e deram motivos para as novas gerações se interessarem em viver da propriedade. Temos agroturismo e seria interessante classificar as atividades, para que o turista saiba melhor e os próprios envolvidos tenham esses conceitos mais claros.”
Para Luiz, essas agroindústrias e os novos empreendimentos do agroturismo devem manter sua essência, pois predominam em Venda Nova as pequenas propriedades, que não têm capacidade de produzir em escala. “Nossas grandes questões serão sempre como lidar com os novos desafios e, para mim, o movimento slow food nos abre novas possibilidades de marketing, pois temos base e originalidade. Como o agroturismo, agrega e não compete com as atividades já existentes.”
Perim ressalta que o surgimento de pousadas e hotéis também se insere no projeto do agroturismo, assim como o crescimento dos esportes radicais. “Os esportes de aventura ligados à natureza vieram para somar e, com suas práticas e competições, coexistem em perfeita harmonia com a atividade rural e com todos os segmentos turísticos.”
Agora aposentado e envolvido em outros projetos, Luiz Perim se diz feliz em ter participado desse momento importante na economia e na história de Venda Nova. “O agroturismo nasceu da dedicação de muitas pessoas e podemos dizer que se trata de um caso de sucesso. Temos que considerar, no entanto, que Venda Nova tem o privilégio de ser cortada por duas rodovias e ainda estar muito próxima de Pedra Azul. Como tudo na vida, precisamos ampliar os horizontes e estar atentos às novas demandas e oportunidades.”