Centenário da Escola Domingos Perim - A experiência de Perpétua: de estudante a professora
Ela comprou uma ‘monareta’ para se deslocar e quando chovia sempre levava uma segunda peça de roupa
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Com o vestido que usava entre 1978 e 1980, Perpétua quis registrar esse momento histórico de comemoração dos 100 anos da Escola Domingos Perim, onde lecionou e também foi diretora. |
Em 1977, assim que terminou o curso normal em Conceição do Castelo, Maria Perpétua Seraphim foi convidada pela diretora Vera Paraíso para integrar a equipe da então escola Idalino Monteiro. Claudete Paste, então professora da escola, a indicou, e Perpétua lecionou para a quarta série em 1978 e, em 1979, para a primeira.
Moradora de Bicuiba, a quatro quilômetros da escola, Perpétua não contava com uma linha de ônibus que atendesse suas necessidades de deslocamento. Por isso comprou uma 'monareta' na loja de Euzaudino Mognhol a 3 mil Cruzeiros e foi pagando aos poucos, com o seu salário. “Quando estava chovendo eu levava uma segunda peça de roupa na sacola e me mudava assim que chegava na escola. Não tinha barreira que me impedisse de ser assídua, nem mesmo cólicas, crises de hérnia de disco, gripes fortes e febres. Quem nos socorria (nós, da escola inteira) era a farmácia de Osíris Piassi. Somente me afastei na licença maternidade”.
A escola já era considerada grande para a época: tinha cinco salas de aula. Perpétua explica que pela manhã estudavam os alunos que moravam na 'roça'. Estavam nessa categoria os que moravam em Providência até na família Cola e na Tapera, por exemplo. Os de Lavrinhas contavam com escola singular. Já o público que frequentava a escola no horário vespertino era formado pelos os que tinham casa nas proximidades (como no atual bairro Minete, Santa Cruz, São Pedro e no centro da vila). A Escola Liberal Zandonadi, em Vila Betânea, também atendia a esse público.
“Mesmo com outras opções, nessa época já haviam os que preferiam levar seus filhos para estudar na 'Idalino', simplesmente por gostarem da escola”. Essa 'preferência, na visão de Perpétua, se dava pelo time que se dedicava de corpo e alma à escola: Izabel Feitoza Caliman, Aleida Rosa Zulcão, Angélica Pagotto, Zélia Furtado Falqueto, Claudete Paste, Glorinha Santolin Betini e outras oriundas de Castelo.
Perpétua lembra que Vera Paraíso era uma diretora muito comprometida com a educação. “Ela era preocupada com a parte pedagógica, valorizava a assiduidade, a pontualidade e, principalmente, a aproximação com os alunos e com a realidade de cada um deles”.
Para colocar na prática a sua filosofia de um trabalho pedagógico mais humano possível, Vera aconselhava os professores a começarem as aulas de segunda-feira de uma forma diferente. “Não era passar tarefa assim que os alunos chegassem. Primeiro era perguntar como foi o final de semana, o que eles comeram de diferente, o que aconteceu na casa deles... E os alunos nos diziam que tinham vontade de chegar na segunda para nos contar ou que tinham ido à missa ou que tinham feito um passeio... Qualquer fato do final de semana”, disse Perpétua sobre como a dica da diretora surtia efeito.
A professora aposentada diz que esse diálogo mantinha o aluno bem próximo. “O aprendizado era mais prazeroso, mesmo entre os que tinham mais dificuldades”, afirma.
Uniforme escolar e solidariedade
Outra preocupação da escola era o acesso ao uniforme escolar. Até a década de 70 os uniformes eram produzidos pela própria família, que providenciava a compra dos tecidos e fazia o corte a costura. “Era costume entre as famílias doarem os uniformes dos filhos assim que eles concluíssem os estudos. A direção da escola perguntava se havia interesse em doar e algumas se adiantavam e já faziam a doação, favorecendo os que tinham menos condições de comprar o uniforme”.
Quando os pais iam fazer a matrículas dos filhos, a direção discretamente tinha uma conversa 'de pé de ouvido' para sondar as dificuldades financeiras da família. “Ninguém sabia quando o aluno estava usando um uniforme doado. Muitas vezes, os pais deixavam o uniforme que não servia mais e pegava um outro (também de segunda mão) disponível para doação. Assim acontecia um enorme giro entre os alunos, com um grande aproveitamento das peças. Alguns doavam até os calçados”.
Perpétua lembra que gostava muito desse movimento solidário que sempre existiu na escola. “Como as famílias ajudavam doando roupas. Eles também colaboravam muito nas festas. Na época não era proibido vender bebidas alcoólicas e nem por isso dava confusão”.
As primeiras memórias relacionadas aos uniformes são de bermudas azuis com camisas brancas, com gravatas também azuis com tirinhas brancas aplicadas, indicando o ano da série de estudo. Sem saber citar o ano, Perpétua lembra que teve um ano que o Estado mandou uns uniformes, que a escola distribuiu entre os alunos com mais dificuldade.
No ano que a Escola passou a ser chamada de Domingos Perim, foi feito um concurso do desenho para estampar as camisas. Os uniformes foram produzidos pela confecção local, a Moninna.
A hora da merenda e o espírito de doação
Outro lugar de trocas e de integração era o momento da merenda escolar. O governo mandava os não perecíveis, como canjiquinha, arroz, feijão, macarrão, carne seca, leite em pó e a comunidade se encarregava de doar os complementos. “As famílias mandavam as verduras picadinhas nas sacolas, o que tornava a merenda mais fresquinha e gostosa. E, independentemente de ter filho estudando ou não na escola, o espírito de doação prevalecia, com as famílias colaborando com as frutas da estação e com o que tinham em abundância nas propriedades”.
Assim como na relação com a comunidade, a aproximação com os alunos formava essa sinergia que construía os melhores canais de ensino/ aprendizagem, pois os materiais disponíveis eram simples e escassos. “Nosso material era o giz, o quadro negro, um mapa do Brasil, um globo terrestre e alguns livros que o Governo concedia. Eram pouquíssimos cadernos... Na verdade, era um único caderno na fase de alfabetização. Depois, mais alguns nas séries superiores: dois ou três, sendo um desses para dever de casa”.
Em 1980, a escola passou a contar com o mimeógrafo (uma tecnologia lançada 100 anos antes). Com essa ferramenta, os professores escreviam numa folha estêncil, que colocada no equipamento e essa matriz era rodada no álcool com folhas em branco, então girava-se a manivela, imprimindo o con-teúdo, unidade por unidade. “Vera Paraíso nos orientava rodar as provas ou outras atividades pelo menos uma semana antes para dar tempo de sumir o cheiro de álcool que ficava na folha”.
Nesses dois anos, Perpétua atuou como monitora, o que na atualidade é chamada de DT ou profissionais de designação temporária. Concursada, ela deixou a escola para atuar em outras do interior, retornando para a Domingos Perim em 1987, onde ficou até se aposentar, em 2009.
“Quando eu voltei, a escola já contava com freezer, geladeira e tinha os bebedouros. As famílias faziam rifas para comprar esses equipamentos e participavam ativamente das festas promovidas pela Escola. Somente três festas foram feitas no Centro de Eventos Padre Cleto Caliman até que entre 1999 e 2000 nosso ginásio foi inaugurado e as festas voltaram para o espaço da escola”.
Antes de o ginásio ser construído, as aulas de educação física eram feitas na rua. “No meio das atividades a professora Rita Delarmelina tinha que parar tudo para o carro passar. Se bem que na época o número de carros em Venda Nova era bem menor, o bairro tinha menos moradores e menos movimento na rua de forma geral”, recorda-se Perpétua.
Logo no primeiro ano de Venda Nova emancipada houve o movimento de nucleação das escolas, com o fechamento da maioria das escolas rurais, sendo que a Domingos Perim e a Liberal Zandonadi (no bairro Vila Betânea) formaram os dois polos da Sede. “Foi aí então que Venda Nova passou a ter transporte escolar. Toda essa transformação foi coordenada pela primeira administração, com Nicolau Falchetto como prefeito e Davi Cont Hupp, como secretário Municipal de Educação”.
Quando Perpétua retornou para a Domingos Perim já existia uma linha de ônibus e vários professores já tinham carro. E ela não precisava mais se deslocar de monareta.
Gratidão
Quando foi incentivada por padre Cleto Caliman a se matricular no Colégio Salesiano para estudar o ginasial, Perpétua e vários colegas que moravam de Bananeiras até São João de Viçosa teriam dificuldades para se deslocar não fosse a intervenção do religioso.
“Padre Cleto pediu e Camilo Cola providenciou um ônibus sem cobrança de passagem para especialmente nos levar pela manhã até a escola. Só assim para conseguir estudar, pois o trajeto era longo e muitos teriam que acordar de madrugada”, afirmou Perpétua. O retorno para a casa era a pé mesmo, quando a garotada voltava pela estrada de chão, subindo em árvores, comendo frutas...
Anos depois, algumas famílias compraram charretes, como no caso da Venturim. Cleto Venturim guiava, trazias os irmãos e ainda dava carona para Perpétua. Mais tarde os pais que tinham carros em São João se reuniram e cada semana faziam o transporte, os pais pagavam o combustível. “A linha de ônibus não foi mais necessária. Eu me lembro disso e sou muito grata a padre Cleto, a Camilo Cola e a muitas outras pessoas que colaboram para que eu pudesse ter estudado, me formado professora e ter hoje a aposentadoria que eu tenho”.
Depois que se formou no ginasial, Perpétua recebeu um outro convite: integrar uma das turmas do curso normal da Escola Aldi Soares, que funcionava há poucos anos em Conceição do Castelo. O convite partiu de Odael Spadeto e seu pai respondeu não, pois não teria dinheiro para comprar um novo uniforme.
E a ajuda veio de Carminha Caliman, recém-formada, que ofereceu seu uniforme para a aspirante a normalista. “Como sou bem mais alta que a Carminha, a costureira Antonieta Furlanetto, esposa do Nilo Bragatto, deu um jeito. Abriu ao máximo as costuras da camisa e fez uma emenda em toda lateral da calça, fazendo com que as peças coubessem em mim. O tecido, tanto da camisa quanto da calça, era grosso e resistente. Usei o uniforme todos os dias de aula durante os três anos que estudei. Também sou muito grata por este gesto”.