Venda Nova será repovoada com orquídeas
Data de Publicação: 26 de julho de 2019 18:06:00 Várias espécies estão sendo reproduzidas no Laboratório de Aloísio Falqueto e, assim que crescidas, serão plantadas nas matas e nas árvores de jardins em forma de mutirão
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Como se não bastasse o trabalho de reproduzir espécies raras e comuns para poupar as orquídeas existentes na natureza, o Laboratório de reproducão de orquídeas de Aloísio Falqueto, em Venda Nova, abraçou um projeto de repovoamento de orquídeas no município. O primeiro passo já foi dado com a semeadura de espécies nativas.
As sementes já estão em processo de germinação e, depois de vencida essa fase e ganhar um porte de cerca de cinco centímetros, vão para a estufa de crescimento e adaptação às condições climáticas. No total, o Laboratório Viridescens espera produzir cerca de duas mil mudas, que estarão sob a sua proteção até alcançarem porte e força suficientes para se desenvolverem nos viveiros.
A expectativa do Laboratório é de que dentro de 18 meses sejam distribuídas aos viveiristas locais, que as cultivarão até a fase de poderem sobreviver na natureza, onde se espera que venham a crescer, florir e se reproduzir. “O laboratório se dispôs a participar do movimento sugerido por Tarcísio Caliman e estamos fazendo tudo de forma gratuita. A ideia é envolver os orquidófilos e pessoas dispostas a colaborar e promover o dia do plantio das diferentes espécies”, declara Aloísio Falqueto, que comanda o Laboratório junto com a esposa Maria Inês Pagoto Falqueto.
A repovoação é um movimento livre, por enquanto sem a participação de instituições ou órgãos públicos. “O objetivo é enriquecer a mata e os jardins, aumentando a diversidade de espécies da flora nativa e, também, ajudar na preservação das orquídeas da nossa região”, explica Falqueto.
Segundo várias literaturas, existem no planeta cerca de 36 mil espécies de orquídeas sendo que 10% delas são encontradas no território brasileiro. Infelizmente, muitas estão ameaçadas de extinção devido à destruição das florestas e pela sua retirada do habitat (exploração predatória). “Na natureza, elas apresentam uma função ecológica que vai muito além da beleza de suas flores. Diversos animais, como abelhas, borboletas, formigas e beija-flores podem atuar como polinizadores dessas plantas”, esclarece o pesquisador.
De uma beleza delicada, as orquídeas foram reveladas no Espírito Santo por um trabalho brutal e predatório: à medida que imigrantes europeus e seus descendentes derrubavam áreas da mata atlântica para vender madeira e abrir espaço para plantações, descobriam orquídeas escondidas pela vegetação cerrada. Enquanto alguns comerciantes aproveitavam para vender plantas para colecionadores estrangeiros, colonizadores do interior começaram a preservá-las e colecioná-las, salvando exemplares remanescentes de espécies raras em suas propriedades.
Dar o pontapé inicial nesse projeto de repovoamento é um dos mais recentes desafios do Laboratório de Aloísio Falqueto, que acaba de ampliar suas instalações físicas e adquirir novos equipamentos para clonagem de cattleyas. Com esta especialidade, o laboratório ficará concluído e figurará como o mais completo do estado do Espírito Santo em volume de trabalho e amplitude de aplicação das tecnologias para reprodução.
Clonagem de cattleyas
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Único no Espírito Santo, laboratório em Venda Nova funciona em meio aos
remanescentes da mata atlântica e plantios de café e de mexerica.
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O Laboratório, que já é referência na reprodução de sementes, se capacitou para a clonagem das cattleyas, um processo mais exigente, com um método mais invasivo e que precisa ser feito com mais cuidado. E Aloísio Falqueto explica porquê. “Numa câmara esterilizada, fazemos a retirada do broto da frente, de onde extraímos o meristema que contém as células tronco. Elas recebem um estímulo de hormônios que força a brotação num processo que permite a produção de grande número de mudas, preservando todo o genoma da planta mãe. Os clones saem realmente fieis, livres de mutações genéticas”.
O processo físico de retirada do meristema tem que ser feito com cuidado para que a planta possa continuar brotando. “Em outras espécies como Phalaenopsis, a clonagem é feita com parte das hastes florais, o que torna o processo bem mais simples, sem castigar a planta”.
Depois da brotação, as melhores são colocadas em uma gelatina enriquecida com 23 tipos de nutrientes que vão servir para alimentá-las. Os frascos com os embriões permanecem em um ambiente com luz e temperatura controladas.
Esse mix de componentes que alimenta os embriões e também as mudas era importado dos Estados Unidos e a mistura seguia um padrão. “Não era o método ideal, pois tínhamos uma fórmula com sais básicos, uma receita só. Agora podemos manipular e oferecer os nutrientes específicos para cada etapa e categoria de planta”, explica Falqueto.
Concessão do Exército
Produzir seu próprio mix de nutrientes é uma conquista rara no Brasil, tendo em vista que a compra de dois dos 23 componentes é controlada pelo Exército Brasileiro. O Laboratório conquistou essa concessão (certificado de registro) no ano passado depois de uma visita técnica do Exército, que também fez uma série de exigências burocráticas e estruturais para que o laboratório possa comprar, armazenar e manipular os dois sais componentes de explosivos.
Somente Aloísio e o funcionário Gabriel Pagoto têm a outorga do Exército para manipular os componentes em questão. Além de seguir uma série de orientações para manipulação, o Laboratório construiu uma sala de segurança para o armazenamento. A sala tem um sistema de proteção para raios e o acesso restrito.
Projeto nasceu para preservar as espécies e gerar oportunidade de negócios para as famílias rurais
Deixar em paz as orquídeas existentes na natureza está entre as razões que levou o professor da Ufes, cientista e doutor em doenças infecciosas, Aloísio Falqueto, a montar um laboratório de reprodução em Venda Nova. O laboratório é o único do Espírito Santo e o pioneiro em um sistema que funciona adaptado à temperatura ambiente e aproveitando a luz natural. O resultado são plantas mais adaptadas às condições naturais e, por isso, mais resistentes. Nos demais laboratórios do país, a luz e a temperatura são controladas artificialmente.
Oferecer o serviço a um valor acessível foi a segunda motivação de Falqueto. Ele aproveitou o seu conhecimento científico, aplicando no laboratório todos os princípios da microbiologia e, ao levar para a prática uma tecnologia inédita de reprodução, o preço das mudas ficou mais em conta.
Enquanto no mercado tradicional um frasco com 30 mudas é vendido até por R$ 40,00, em Venda Nova sai por R$ 20,00. De acordo com o cientista, a maioria dos laboratórios está concentrada no estado de São Paulo, e acaba copiando o modelo europeu, adaptado para climas frios, encarecendo o serviço.
Adaptação às condições climáticas torna processo menos oneroso
Ao atender colecionadores e comerciantes, o laboratório torna mais acessível as mudas em escala comercial e a coleta predatória de orquídeas é desestimulada, contribuindo para a preservação do que restou da flora. Clientes de 12 diferentes estados do Brasil mandam sementes para o laboratório, que desenvolve as mudas em frascos.
A experiência começou há 18 anos e é resultado de 12 anos de uma pesquisa que fez chegar ao sistema compatível às condições climáticas locais. Só para desenvolver a técnica de vedação dos frascos foram quase quatro anos. Assim que germinadas artificialmente, as plântulas vão para as estufas e se desenvolvem nos frascos, que são dispostos de forma a não precisarem de lâmpadas e, consequentemente, de refrigeração artificial, o que torna o processo menos oneroso.
Com a implantação do laboratório, a demanda dos orquidófilos do Espírito Santo passou a ser atendida e ativou-se uma nova cadeia produtiva ao estimular novos empreendimentos, como no caso de Alfredo Lenke, produtor rural de Santa Maria de Jetibá.
Em Venda Nova, vários orquidófilos deixaram de depender dos serviços de São Paulo ou do Rio de Janeiro para reproduzir as espécies raras que encontram na região. “Até uns anos atrás, tudo dependia de laboratórios de São Paulo e a maioria dos produtores que já estava no ramo ou pretendia ingressar não tinha acesso a estes serviços. Só os que podiam pagar”, recorda.
Dentro dessa cadeia ativada, além dos novos orquidários, outros serviços de apoio, como a produção de cachepôs e embalagens, abriram novas oportunidades de trabalho. “Estamos fazendo a riqueza circular”, avalia Aloísio. E Inês completa: “fico feliz em ver pessoas com novas oportunidades de renda e melhorando sua vida se dedicando a uma atividade que ajuda a preservar o meio ambiente”.
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Concentração, dedicação e comprometimento estão entre os atributos da equipe sintonizada com os ideais do laboratório. |
Preservação e ética
Outra contribuição está no próprio processo de reprodução, que não traz riscos ao meio ambiente, pois as substâncias químicas utilizadas no laboratório não deixam resíduos tóxicos e ainda constituem fatores de crescimento para as plantas. No modelo tradicional de reprodução, os fungos do ambiente contaminam o meio de cultura com facilidade e, com as tecnologias desenvolvidas no processo de tapagem dos frascos, percebe-se uma segurança muito maior.
Já o processo de preservação da flora remanescente se dá não só pela oferta das mudas, mas também pelo aproveitamento total das sementes. Inês ressalta que numa cápsula existem até 500 mil sementes. Na natureza, somente uma (ou talvez nenhuma) conseguiria ser germinada e chegar à idade adulta. “No laboratório, podemos aproveitar até 100%”, afirma Inês.
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Parceria: Aloísio e a esposa Maria Inês tocam o laboratório que une gestão e tecnologia,
para o bom equilíbrio e função social do empreendimento.
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As cápsulas das plantas são entregues no laboratório codificadas em números e o colecionador é quem define a quantidade de sementes a serem germinadas. “Muitas vezes nem sabemos se estamos reproduzindo uma espécie rara ou não. Fazemos a reprodução, entregamos o serviço e descartamos as reservas ou as devolvemos”, explica Falqueto.
Com esta postura moral e código de ética, o laboratório já ganhou a confiança de 150 cultivadores só no Espírito Santo e de vários estados brasileiros, totalizando mais de 300 clientes. A credibilidade também já chamou a atenção de colecionadores estrangeiros, com perspectiva de exportação para a França.
Falqueto conta que a equipe recebe as sementes, faz a reprodução e entrega aos clientes o frasco com as 30 mudas a R$ 20,00. Em várias ocasiões já entregou mudas de plantas que, depois de floridas, foram comercializadas pelos clientes entre R$ 1 mil a R$ 60 mil. “Às vezes isso acontece, mas só ficamos sabendo do valor comercial da planta reproduzida se o próprio cliente disser”.
Tanto capricho, além da clientela e do incentivo aos novos empreendimentos, gerou a curiosidade de estudiosos e pesquisadores, o que tornou o laboratório uma referência e até está sendo copiado por laboratoristas de outros estados brasileiros.
O empreendimento atrai visitantes de diferentes instituições de ensino (Universidade de Vila Velha-UVV, Universidade Federal de Viçosa- UFV e Universidade Estadual Norte Fluminense - UENF), sendo que os primeiros convênios de cooperação técnica já foram firmados para o desenvolvimento de projetos científicos, visando à reintrodução na natureza de orquídeas ameaçadas de extinção.