Uma viagem de 90 dias para caracterizar o microbioma dos terroirs
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Algo semelhante ocorre com os vinhos, quando produtores identificam parcelas nas quais as uvas são de qualidade superior, devido a diversos fatores, dentre eles os edafoclimáticos. Estas terras podem render vinhos com traços muito particulares. Foi assim que surgiram ícones complexos, cobiçados e com potencial de envelhecimento.
Nesta mesma linha de raciocínio estão os cafés especiais, que possuem particularidades ou peculiaridades em seus atributos sensoriais que os diferenciam dos demais. A análise sensorial leva em conta a metodologia da Associação Americana de Cafés Especiais (SCA, sigla em inglês), que avalia alguns atributos como, por exemplo, doçura, limpeza, acidez e corpo da bebida. Após a avaliação, o café é pontuado, de acordo com a nota de cada um desses itens.
No Brasil, especialistas já identificaram localidades que se destacam na produção de microlotes. No rastro destes pontos, Lucas Louzada, Aldemar Polonini, Evandro de Andrade e a doutoranda Taís Rizo Moreira fizeram uma viagem de 90 dias e rodaram 34 mil quilômetros pelo Brasil.
O grupo de pesquisadores passou por cerca de 40 propriedades nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rondônia, com o objetivo de coletar solo, raízes e frutos, para análises microbiológicas, químicas e sensoriais, e correlacionar os resultados destas com as condições edafoclimáticas e ambientais dos cafezais, seguindo-se uma metodologia única e inovadora para todas as unidades experimentais.
O projeto quer correlacionar as características desses cafés com o meio onde é cultivado e saber porque determinadas regiões apresentam maior potencial para produção de cafés especiais. “Conhecendo essas características e as particularidades que colaboram para a formação do terroir poderemos construir uma base de dados que indicará qual é o processamento mais adequado a ser adotado em cada região, com base no potencial de produção e nas condições edafoclimáticas e ambientais”, diz Tais, ao exemplificar os benefícios que os resultados da pesquisa poderão gerar.
Com 29 anos de idade, Taís Moreira, natural de Conceição do Castelo, é bolsista do Lapc e doutoranda em ciências florestais com foco na influência das características edafoclimáticas sob a qualidade do café no Brasil. Formada em engenharia florestal pela Ufes, ela fez mestrado em ciências florestais pela mesma universidade.
A coleta de materiais é uma parte do projeto metaboloma do café, que pretende gerar conhecimentos que servirão de base para produção de cafés no Brasil. Com os desafios da pandemia, o grupo teve que criar uma certa autossuficiência e improvisar alimentação e estadia, contando com um trabalho de logística e planejamento bem arrojado.
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Dentro do organograma da viagem foram planejados retornos a Venda Nova, de tempos em tempos, para deixar os materiais coletados, que eram mantidos congelados em caixas de isopor. “A parte da viagem realizada ao Ceará, com maior duração e mais tempo sem poder parar, exigiu um planejamento mais arrojado, para manutenção do material em temperatura adequada”, recorda-se.
Com os materiais devidamente acondicionados no Lapc, o trabalho seguinte passou pelo processo de identificação e tabulação. Primeiro, os grãos foram secados em terreiro suspenso cobertos com lona plástica e armazenados para descanso por 15 dias. Depois, foram beneficiados e catados, para em seguida, após codificados, seguirem para o processo de torra que antecedem as provas, realizadas por seis Q-Graders. “Além da análise sensorial, serão realizadas análises químicas dos grãos torrados. Já o material biológico- solo, raízes e os frutos maduros foram separados para análise microbiológica”.
No rastro do café de qualidade, o grupo passou por lugares peculiares e, tentaram, na medida do possível, incluir as peculiaridades de cada região ao projeto. “O que eu via antes dessa viagem era a produção de café e hoje eu vejo a produção de um alimento que está atrelado a questões históricas e culturais. Cada localidade possui uma peculiaridade no modo como as famílias enxergam sua terra e a preparam para tirar seu sustento”.
Esse trabalho tem recebido o apoio de grande número de recursos humanos, principalmente, dos produtores de cafés, bolsistas e outros pesquisadores e conta com grandes parcerias interinstitucionais, principalmente do Sicoob viabilizando sua execução.
Entenda
O projeto Metaboloma do Café consiste na caracterização do microbioma dos terroirs dos cafés brasileiros. Estamos caracterizando todas as regiões produtoras com coletas de solo, raízes, frutos e aplicando processos de fermentação aos cafés que são estudados.
O objetivo central é conhecer a diversidade genética, sensorial e química do café brasileiro, tudo isso associado às condições edafoclimáticas, para então, propor estratégias de produção eficazes para manutenção e melhoria da qualidade do café brasileiro.
O projeto é financiado pelo Sicoob Sul-Serrano do Espírito Santo e é coordenado pelo professor Lucas Louzada do Ifes- Campus de Venda Nova do Imigrante em associação com a Universidade Federal do Espírito Santo- Ufes e Universidade Federal de Viçosa- UFV.