Os segredos do socol: a receita chega aos bisnetos de Fioravante
33 anos de Emancipação Política de Venda Nova
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Quando os irmãos Graccieli e Bernardo Lorenção se envolveram na produção de socol e de outras iguarias, a família já estava famosa como uma das pioneiras do agroturismo em Venda Nova. Mesmo jovens (ela é de fevereiro de 1987 e ele de junho de 1984), eles se lembram de quando a propriedade só tinha como fonte de renda a agricultura e como tudo mudou com o advento do agroturismo, que começou a ganhar forma e nome em 1991, com a inauguração do Alpes Hotel.
“Nós já ajudávamos na roça, fazendo os maços de brócolis para vender para a Ceasa. A propriedade produzia orgânicos, principalmente hortaliças, dentre elas a alface. Já na cultura do café não tinha como a gente ajudar”, conta sobre a época pré-agroturismo, enquanto o irmão Bernardo, que é mais calado, coloca os rótulos nos vidros de alguns antepastos.
O bate papo foi no mesão da casa sede da propriedade na Tapera, onde moram os avós Cacilda Caliman e Máximo Lorenção, e mais recentemente, também a tia Liliane, a Lila, que retornou para casa depois de morar durante décadas na capital e se aposentar. O mesão de madeira é um símbolo dos encontros familiares, do aconchego dos amigos, dos momentos de leitura do vovô Máximo e também de apoio para execução de alguns trabalhos, como rotulagem, por exemplo.
Bernardo saiu de casa para estudar química na Ufes, mas não concluiu. Voltou em 2010, quando resolveu estudar agroindústria no Ifes Venda Nova. Ele fez parte da terceira turma do curso, para onde levava sua experiência e a associava aos ensinamentos teóricos. “Muita coisa que eu estudei eu já conhecia na prática. Então eu levava conhecimento e os ensinamentos teóricos me ajudavam a compreender melhor o que eu já fazia”, disse sobre o entendimento dos processos no preparo dos alimentos.
Gracci também passou por esta experiência no curso de engenharia de alimentos que fez na Ufes, campus Alegre. Na época que estudava ela ajudava aos finais de semana, feriados e férias e fez um rico intercâmbio entre a propriedade e a faculdade, tanto levando sua prática quando vendendo produtos para os amigos. “Meus pais já não davam conta, e eu tinha que ajudar. Nos finais de semana e feriados, me dedicava mais ao atendimento aos turistas e, nas férias, também à produção”.
Com a prática adquirida dos trabalhos familiares, Gracci era a única aluna de sua turma que tinha alguma vivência em produção na agroindústria de alimentos. Ela escolheu fazer seu TCC sobre o socol e teve que enfrentar o desafio de lidar com a ausência de qualquer base teórica sobre a iguaria típica, produzindo um material inédito para a época.
“Eu me dediquei a fazer uma análise físico química e microbiológica para explicar como o socol ficava conservado sem o uso de conservantes químicos, defumação e congelamento, já que o uso do sal não é tão grande para ser o responsável sozinho pela conservação. A conclusão é que o alimento é muito fermentado pelas bactérias lácteas presentes naturalmente na carne de porco”, relata Gracci.
O socol, um alimento da cultura do imigrante italiano, era produzido numa época que não tinha geladeira. “Com o frio do lugar, a receita ia fermentando muito lentamente e os fungos ajudavam nesse processo. A disponibilidade de água no socol é muito alta no começo e daria para estragar fácil, mas os fatores citados somados sempre foram os responsáveis pela sua conservação, bem como pelo seu sabor peculiar”.
Responsável pelos planilhamentos de controle das práticas de fabricação, conforme as exigências do Idaf, Gracci também inspeciona as carnes recebidas dos frigoríficos, mede temperatura dos ambientes, faz controle de lotes e todas as boas práticas de segurança alimentar. “Tudo relacionado à vigilância sanitária é comigo”, diz a moça que também divide seu tempo com a produção de socol e dos 14 sabores de antepastos. Junto com sua mãe Dete, faz experimentos para criar novas receitas. Com o irmão Bernardo, faz testes de pasteurização até chegar ao processo ideal de produção das novas iguarias, já que não há uso de conservantes nos alimentos.
“Fazemos os testes até que a receita chegue no ponto, definindo os ingredientes, proporções médias, tempo de cocção, forma de preparo... Nossas re-ceitas são artesanais, mas temos que produzir com um certo volume, dentro de um padrão e com garantia de segurança alimentar”, disse sobre as iguarias.
Além de vender na lojinha da propriedade, os produtos alcançam as prateleiras de supermercados locais e da Grande Vitória. Bernardo é o responsável por toda essa comercialização e entrega, bem como pelo preparo das notas fiscais, todas preenchidas manualmente, já que se trata de nota do produtor rural. Ele também faz os cortes do lombo suíno para depois salga-los, sempre se organizando para ir todas as quartas para Vitória e retornar nas quintas.
Já o pai, Ednes José Lorenção, se ocupa da parte financeira. De acordo com Gracci, a produção de socol (que começou quase que exclusivamente pelas mãos dos pai, que aprendeu com a mãe Cacilda Caliman a receita do avô Fioravante) consome 600 quilos de carne por semana. Já as 14 receitas de antepastos são preparadas de acordo com a demanda. Os sabores com mais saída são os produzidos da semana, numa dinâmica que garante variedades e produtos frescos nas prateleiras da lojinha, onde reina a matriarca Dete, sempre na linha de frente das vendas.