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O melhor café do Brasil - Prêmio Cup of Excellence 2020 traz o olhar do mundo para Venda Nova

O melhor café do Brasil - Prêmio Cup of Excellence 2020 traz o olhar do mundo para Venda Nova

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Luiz Ricardo, Luiz Henrique e José Luiz Bozzi Pimenta de Sousa ladeiam o patriarca José Luiz Pimenta de Sousa na propriedade em São Roque. A chamada sucessão familiar, com os filhos assumindo o cuidado no campo, vem acontecendo na propriedade dos Pimenta, incentivando a manutenção de jovens no campo.(Foto Wanda Ferrera/Jean Davies)

Três jovens irmãos, ao assumirem a tradição da família na cafeicultura e implantarem inovações nos tratos culturais e no pós-colheita, trouxeram para Venda Nova e para a Região Serrana do Espírito Santo o título de campeão do melhor café do Brasil. O trio,  Luiz Ricardo, 20 anos, Luiz Henrique, 24, e José Luiz Bozzi Pimenta de Sousa, 27, está no centro dessa faceta, ao inscrever com o nome do mais jovem o café no Cup of Excellence 2020.

O título, mais do que uma proeza, tem um grande significado para a Região, principalmente para os produtores que cultivam café a menos de 1.000 metros de altitude, considerando que o talhão onde foram colhidos os grãos vencedores é de um plantio há 850 metros de altitude. Tradicionalmente, os cafés especialíssimos ficam acima dos 1.000 metros. Outro fator a se considerar é a atuação da nova geração ao assumir o protagonismo da gestão das propriedades rurais, agregando conhecimentos acadêmicos às práticas aprendidas com os pais.

Um dos mais importantes concursos de qualidade para o café do mundo, o prêmio Cup of Excellence, realizado pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, pela sigla em inglês), colocou a família Pimenta e seus jovens membros em evidência. O café foi produzido no Sítio Escondica, localizado na comunidade de São Roque, em Venda Nova, arrendado pela família Pimenta de Sousa, que mora em Alto Lavrinhas, onde também cultiva o grão. Ambas propriedades estão numa altitude média de 850 metros.

Luiz Ricardo nos recebeu no mesão da área da casa de Alto Lavrinhas para falar dessa experiência e dos caminhos que levaram o café produzido pela família a ser considerado o melhor do Brasil em 2020. O anúncio da vitória, no final do ano passado, surpreendeu o rapaz e o irmão, Luiz Henrique, que é provador de café. E Ricardo explica os motivos.

“Não basta ter um café bom, também é preciso ter planejamento e estratégia. São detalhes na moagem (granulometria) ou na torra que podem colaborar com tudo para uma vitória ou para desclassificação em um concurso. Inscrevemos um café com uma fermentação bem leve e espontânea, que ficou ao lado de cafés muito bons na mesa de prova”.

Luiz Ricardo detalha um pouco mais: “Quanto mais tempo o café descansar após a torra, mais se acentuam as características sensoriais. É o que chamamos de descanso de torra. A gente sabia que era preciso cumprir essa etapa e tivemos a sorte de o café ter sido avaliado um dia após a torra. Se tivessem feito a torra no dia, teríamos perdido ponto”.

O jovem produtor fala de casas decimais, numa pontuação cujo a nota limite é 100. Com 90,03 pontos, o café inscrito atingiu a nota mais alta entre mais de 900 concorrentes, o que faz a declaração sincera de Luiz Ricardo parecer pura modéstia. O fato de estar entre os finalistas já é uma grande vitória, pois cafés especiais são grãos com atributos sensoriais peculiares, que proporcionam uma bebida limpa e doce, corpo e acidez equilibrados, que qualificam sua bebida acima dos 80 pontos na análise sensorial. Na mesa dos finalistas, só figuraram cafés com pontuação acima dos 87.

Depois de escolhido entre os 100 melhores do Brasil, o café da família Pimenta foi para a mesa de avaliação em Varginha/MG, que o classificou entre os 35 melhores e depois, entre os dez. Amostras desses dez finalistas foram enviadas para sete países diferentes, onde provadores avaliaram e deram a sua nota, definindo o campeão do ano.

O café e a família

Na propriedade em São Roque, o casal Lourdes Irinete Bozzi e José  Luiz Pimenta de Sousa encontrou um outro
núcleo de produção de especiais e um novo refúgio para a convivência familiar. A altitude média é de 850 metros,
com remanescentes da mata atlântica, que proporcionam áreas sombreadas e muita água pura. (Foto Wanda Ferrera/Jean Davies)

Para Luiz Ricardo, essa vitória é resultado do trabalho coletivo da família e de todo apoio que veio recebendo ao longo de anos de entidades como o Incaper e o Sindicato Rural. De uns anos para cá, esse saber foi enriquecido pelos conhecimentos trazidos pelos filhos. Luiz Ricardo é técnico em agropecuária pela Escola Família Agrícola de Castelo e seu irmão Luiz Henrique estudou no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), onde participou ativamente do desenvolvimento do Laboratório de Análises e Pesquisa em Café - Lapc.

O trio de 'Luizes' representa a terceira geração da família. O avô, Sebastião Fernandes de Souza, já trabalhava com lavoura de café há décadas. Ele teve oito filhos e dentre eles José Luiz Pimenta de Sousa, pai dos rapazes, que até 2005 só trabalhava com café commodities. Desse ano em diante, começou a adotar novas práticas na colheita e pós-colheita que garantiram um café de qualidade. “A família mudou a postura, mas o mercado ainda não reconhecia e remunerava esse diferencial. Não tinha ganho”.

Em 2010, Luiz Henrique ingressou no curso de ciência e tecnologia de alimentos no Ifes, Campus Venda Nova. Entre 2013 e 2014, foi convidado pelo professor Lucas Louzada para integrar o time que daria início aos trabalhos de pesquisa no Lapc. “Meu irmão começou algo importante: conhecer o café que a família produz. Passamos a levar o café para vender conhecendo a sua pontuação. A partir de então começamos a fazer ajustes nos detalhes do cultivo e, principalmente, no pós-colheita”.

Em 2016, Luiz Ricardo foi para a Escola Família Agrícola, onde estudou por sistema alternado: uma semana na escola e outra em casa, aliando teoria e prática. "Aprendi muito sobre sustentabilidade e o meu olhar sobre a planta mudou completamente. Como ela vai me dar um café de 85 pontos se eu a trato de qualquer maneira? A Escola Família Agrícola me ensinou muito sobre a valorização e agregação de valor ao solo e à planta, enquanto meu irmão aprendeu no Ifes sobre a pós-colheita, processamento e desenvolvimento de qualidade do café", conta.

O acesso aos conhecimentos- envolvendo toda cadeia produtiva, do plantio, do pós-colheita, passando pela gestão e pela comercialização- despertou neles a vontade de continuar, aprimorar e ampliar o trabalho da família na cultura do café. Em 2017 a família arrendou um terreno na comunidade de São Roque para aplicar intensivamente os novos conceitos trazidos pelos jovens. “Já existia um plantio lá, só que mais adensado, condição que fazia com que o mato demorasse a crescer depois das roçadas. Assim o herbicida saiu de cena quase que completamente”.

O café da família foi inscrito com o nome de
Luiz Ricardo, o filho  mais novo. Apesar de muito jovem, ele é um dos
responsáveis pelas inovações na produção de café cultivado
nas  propriedades de Alto Lavrinhas e de São Roque.
(Foto Wanda Ferrera/Jean Davies)

Dentro dessa filosofia de diminuir os agroquímicos, outro ponto muito levado a sério pela família é a nutrição da planta que, fortalecida, fica menos suscetível a pragas e a doenças. “Por sua própria natureza, a planta combate e tem força para se proteger. Com essa prática, em 2017 eliminamos praticamente 100% o uso de inseticidas e herbicidas”, conta Luiz Ricardo.

“Em 2020 veio o resultado. Como Dério Brioschi (sócio do irmão numa empresa de consultoria) foi o avaliador da nossa produção e ele nos orientou sobre o perfil do grão que conseguimos produzir. Entregamos 60 lotes de café e ele separou os 10 melhores, de onde foram retiradas cinco para formar o bland dos microlotes, resultando nas seis sacas necessárias para participar do concurso. A conquista do Cup of Excellence proporciona que os dez primeiros colocados fossem à leilão internacional, com possibilidade de vendas de alto valor. 

De acordo com reportagem do Notícias Agrícolas, o maior valor pago por uma saca de café no Brasil foi registrado há dois anos, equivalente a R$ 73 mil por cada unidade de 60 kg do produto cultivado na Fazenda Primavera, em Angelândia, região da Chapada de Minas Gerais, que foi o vencedor do Cup of Excellence – Brazil 2018.

Os cafés dos 30 classificados do concurso foram ofertados no dia 10 de dezembro,  através de plataforma online. As seis sacas de Luiz Ricardo Bozzi Pimenta de Sousa foram vendidas a R$ 38 mil cada. “Mas só saberemos o valor real no dia do pagamento, pois será de acordo com a cotação do Dólar. Desses, 25% irão para o BSA e 12% de ICMS. Sei que no final ficarão 42% para o produtor”, relata o jovem.

Luiz Ricardo faz questão de dizer que essa vitória é uma conquista coletiva. “O resultado abraça a família, a Farmer Coffe, o Ifes, o Incaper, Venda Nova... Como Venda Nova é conhecido hoje?  Como o Município que produz o melhor café do Brasil. E não fizemos nada de extraordinário. Só nos atentamos aos detalhes: é o café colhido com zelo, que não dorme na roça... É cansativo: começamos a trabalhar 6 horas e ficamos até as 18 na lavoura. Depois do pôr do sol vamos para o descascador e trabalhamos até bem tarde”, descreve a rotina.

Quando Luiz Ricardo fala dos detalhes, ele fala de colher o grão na maturação correta, o que significa ter mais paciência e esperar de três a cinco meses o café atingir no pé o ponto de colheita. “Gosto de questionar se eu beberia a água usada no lavador de café. Como esperar um resultado bom se usar uma água inadequada para lavar os grãos? Também é bom reparar a espessura do café acumulado no terreiro: se for muito fina a secagem pode ser rápida demais e se for muito espessa, pode demorar ao ponto de gerar umidade e  ocasionar uma fermentação indesejada. Um bom descanso (interrupção) na secagem, para os grãos não secarem de uma vez só e rápido, também gera bons resultados”.

Para Luiz Ricardo é fundamental achar o ponto de equilíbrio e é difícil, devido às inúmeras variáveis, estabilizar a secagem e até no secador essa etapa pode estragar o lote. “Tem que fazer teste. Pegar uma saca e fazer teste para achar o perfil de secagem e processamento para cada talhão. São muitos detalhes”.

 

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