O INÍCIO de tudo: Centro de Classificação e de Degustação de Café
Quando os produtores começaram a se familiarizar com os conceitos de qualidade e como nasceu a marca Café de Qualidade das Montanhas do Espírito Santo
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O Centro de Classificação e Degustação de Café- CCDC abriu oficialmente suas portas no dia 5 de janeiro de 1998. O então prefeito de Venda Nova, José Onofre Pereira, convidou o provador de café Evair Vieira de Melo para assumir a coordenação dos trabalhos.
Como bagagem, Evair trouxe de experiência um ano de atuação na Cooperativa Cacal, de Castelo, além de um tempo de trabalho no Sul de Minas Gerais (Carmo do Rio Claro, Guaxupé e Alfenas) e também em Franca, no Estado de São Paulo, lugares que atuou como técnico agrícola nas cooperativas e empresas.
Evair já degustava café há aproximadamente dois anos, quando foi convidado para voltar para dar início aos trabalhos no CCDC. “Aceitei e voltei, mesmo que financeiramente fosse muito menos, pois valia o desafio”, disse o profissional de raízes familiares em Venda Nova e em Conceição do Castelo.
Evair se lembra que o antigo galpão da Pronova estava vazio. “Arrumamos umas máquinas emprestadas, torrador, mesa e outros equipamentos. Coisas da década de 70/80 que estavam guardadas. Não tínhamos na região nenhuma experiência a ser copiada, tudo novo. Poucos conheciam o que era 'café bebida”.
Com uma estrutura muito simples e uma ideia grandiosa na cabeça, o projeto do CCDC era ousado e bastante complexo, pois tentava fazer um elo entre duas pontas muito distintas: o produtor (com sua simplicidade) e o mercado (exigente e distante da realidade do campo). “Era muito difícil. Não tínhamos apoio a não ser da Prefeitura de Venda Nova e do Centro de Comércio de Café de Vitória. Tudo era novidade. Eu ia nas comunidades, colhia café maduro com os produtores, instruía sobre a colheita, a secagem e a armazenagem. Depois de um ano começamos a incentivar café descascado, outra novidade para o cafeicultor”.
De acordo com Evair, foi quase um ano mostrando a novidade e analisando a produção de café da época. “Era muito ruim. Foram praticamente dois anos promovendo cursos e treinamentos, bem como fazendo experiências. Todos vinham atraídos pela novidade. Ninguém comprava a bebida, não pagavam pela qualidade que conseguíamos conquistar. Era um grande desafio”.
Evair se recorda que o apoio e a parceria com o Grupo Tristão mudaram esse cenário para melhor. “As empresas do grupo abriram uma conta no Bradesco, depositaram dinheiro para a Pronova. A partir de então passamos a pagar todo café que bebia, independente do volume. Daí foram aumentando os volumes e por dois a três anos, esse era o único mercado. Nós provávamos, fazíamos o laudo e o Tristão pagava. Começou a vir gente de todo lado, principalmente Castelo, Vargem Alta, Afonso Cláudio, Brejetuba, Muniz Freire, Conceição e até do Caparaó”.
Além de atrair os produtores interessados em implantar qualidade, nesse período começaram a aparecer outros resultados interessantes. “Curiosos do mercado brasileiro e internacional começaram a nos visitar para conhecer nosso café. Também comecei a viajar o Brasil e mostrar nossos cafés. As pessoas ficavam surpresas, não acreditavam que esses cafés eram do Espírito Santo”.
Já no final de 1999, o Centro de Classificação começou a divulgar os primeiras resultados do trabalho em congressos e o pesquisador do Incaper Maurício Fornazier era quem compilava os dados. “Começávamos a mostrar que estávamos no caminho certo”.
Evair recorda que nos anos de 1998 e 1999 foram promovidos os primeiros concursos municipais de qualidade de café em Venda Nova , Afonso Cláudio e Marechal Floriano. “E em 2000 surgiu o projeto da parceria Real Café / UCC do Japão, já projetando mercado internacional. Também foi em 2000 que fomos atrás da Illy Café: se vendêssemos para os dois o mundo abriria as portas”.
O Prêmio Real Café /UCC foi um divisor de águas, pois trouxe prestígio, reputação, valorização e muito estímulo. “Se tornou o ‘Oscar’ da cafeicultura. Também em 2001, conseguimos vender para Illy café, uma vitória sem precedentes. Diante de tantas conquistas, o passo seguinte seria só ampliar o trabalho, aumentar os volumes e atrair mais cafeicultores”.
Com a realização no Espírito Santo de uma edição do Cup Of Excellence, esse movimento trouxe o mundo do café especial para o Estado. Mais de 30 países visitaram o Espírito Santo. “Fomos o primeiro prêmio de café do mundo a premiar sustentabilidade e xícaras juntos e até hoje usam os critérios desenvolvidos por nós. Recebíamos na Pronova cafeicultores de todo Estado, principalmente região das Montanhas e do Caparaó. No início, tudo era Montanhas do Espírito Santo e depois 2003/2004 começamos a separar o Caparaó com origem. Foi um sucesso. Hoje os dois tem IG”.
“Eu tive um grande professor de colheita e degustação: o saudoso Odilon Americano Rodrigues Alvez, de São Paulo. Eu já era técnico agrícola, conhecia algumas coisas, mas ele me ensinou muito. Comecei com ele em Castelo, depois em Venda Nova e daí fui com ele para o Sul de Minas”, disse sobre um conhecimento fundamental para construir essa trajetória de sucesso dos cafés da região.
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Evair também foi estudar pós-colheita na Universidade Federal de Lavras- Ufla, em Minas Gerais, e a Pinhalense Máquinas Agrícolas o levou para muitos cursos de regulagem de máquinas. “Fui me especializando em pós-colheita e fiz muitas experiências de secagens, de mucilagem, de secagem em terreiros suspensos... Trouxemos estufas”.
Todas essas experiências e aprendizados aconteceram no mesmo período. “Em cinco anos, mais de 10 mil pessoas passaram por alguns treinamentos, cursos, palestras ou eventos. Começamos os concursos municipais envolvendo de 12 a 15 municípios. Já em 2001 fui convidado a ser árbitro da BSCA, concurso Brasileiro de cafés especiais, e assim formando uma geração de provadores que tenho muito orgulho”.
Evair calcula que mais de 50 profissionais da prova estão brilhando por aí, citando como exemplo Rafael Marques, Eduardo Melo, Edevaldo Costalonga, Marcelo Camporez, Lucas Louzada, Rondinélio Sartório e Débora Zandonade. “Sempre repassei tudo que sei aos técnicos e aos produtores. Não só conhecimentos de prova, como também de outras áreas como a de colheita, pós-co-lheita e regulagem de máquinas”.
“Esse movimento de democratização das informações, da produção e do reconhecimento do café de qualidade fez surgir a ideia de torrar e criar a própria marca. A família Carnielli (em Venda Nova), Eleotério (em Ibitirama) e a família Dethmam (em Itarana) foram as pioneiras. Hoje temos talvez umas 350 a400 marcas entre as Montanhas Capixabas e a Região do Caparaó”.
Evair revive um pouco desse momento e resgata a memória do saudoso padre Cleto Caliman, uma personalidade visionária de Venda Nova, que era um ‘cliente’ diário e assíduo da Pronova. “Ele foi lá até o último dia antes de ser internado e depois partir”.
Para Evair, “com certeza o que aconteceu com os cafés capixabas em termos de qualidade é a maior revolução de um produto no mundo. Não há registro. De patinho feio, alçado para a maior vitrine de lotes especiais do planeta. Estivemos em toda grande mídia durante todo esse período, todas as revistas, jornais, emissoras de TV vieram conhecer e saber o que estava acontecendo. Mas não há como negar o papel do nosso Jornal Folha da Terra, onde, com certeza, o maior registro do nosso trabalho está em seus arquivos”.
“Quando olho para traz, só posso dizer que valeu a pena. Faria tudo de novo. Temos que ter muito orgulho do que nós fizemos e do que esses cafeicultores foram capazes. Café virou atração turística. É emocionante! Quando me deparo com uma embalagem nova de origem capixaba, me emociono e lágrimas vêem aos olhos... E quando vejo meu filho provando café, aí não tem jeito, choro de verdade”, encerrou dizendo sobre Arthur Caliman de Melo, que o acompanha desde 5/6 anos de idade.
O futuro
“O Ifes Venda Nova, que na verdade também trabalhei como secretário, está trazendo aos olhos de ciências aquilo que muitas vezes foram empiricamente constatado. o que o Ifes está fazendo vai ser muito importante para as futuras gerações”.
Sempre que perguntam, digo que estou me preparando para os próximos 20 anos. Estou percorrendo o Brasil e o mundo em busca de inovações no modos de preparo. O futuro do café vai passar pelo consumo, como alimento ou bebida, sem ser somente pelos método torrado e moído. Virão outras formas aí.
A outra parte é diminuir a distância entre preço pago pelo consumidor e o recebido pelo produtor. O produtor hoje deveria estar recebendo no mínimo o dobro dos preços atuais. Concedo essa entrevista aqui da Alemanha, onde todos estão falando em sustentabilidade. Mas sem preço justo não há. O consumidor está pagando 8/9 ou até 10 vezes mais ao que é remunerado ao cafeicultor”.
Evair finaliza dizendo ser esse “um dos nossos grandes desafios. Muito já fizemos, mas temos um grande caminho a percorrer. Que venham os próximos 20 anos!”