Memórias da infância e experiências familiares estão entre os ingredientes
Os bolos, pães e biscoitos artesanais preparados por Adriana Falqueto trazem um pouco das histórias das cozinhas dos imigrantes italianos de Venda Nova
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Adriana Falqueto tinha apenas oito anos quando se encantou com os bolos preparados pela sua tia Antônia Falqueto, uma irmã religiosa que estava em Venda Nova em razão dos festejos familiares. Adriana era dama de honra do casamento da tia Anastásia com José Nunes e a festa era também para comemorar as Bodas de Prata dos pais (Edília Sossai e Benjamim Falchetto) e as Bodas de Diamante de seus avôs (Antônio Falqueto e Ana Zandonadi).
“Minha tia confeitou três bolos e aquilo me encantou de um jeito que eu passei a me interessar e a gostar de acompanhar o preparo de pães, bolos, roscas e biscoitos pela minha família”. Ela se recorda que eram preparadas duas fornadas por semana. Seus irmãos que estudavam fora e visitavam a família nos finais de semana levavam e os biscoitos e bolos serviam de merenda para a escola.
Ainda antes dos 14 anos Adriana já tinha assumido o forno, uma estrutura alta e redonda, em forma de iglu. “Minha mãe preferia cuidar da horta e ir trabalhar na roça e os serviços da cozinha ficavam com as filhas”. Adriana reforça a importância da presença da tia Antônia, que sempre que visitava a família se dedicava a fazer receitas diferentes de bolos, doces e biscoitos. “Eu me inspirei nela, pois era muito gostoso aprender com ela”.
Adriana manteve seus hábitos de culinária depois de casada e começaram a surgir encomenda das pessoas mais próximas, que tinham oportunidade de experimentar as delícias produzidas por ela. “Eu levava para o café da tarde das Voluntárias e Jaqueline Brioschi passou a fazer encomendas para o café da manhã da sua pousada. O pão de batata baroa foi o que mais apresentou saída entre os hóspedes e até hoje faço entrega para ela”.
Mas a popularidade de Adriana aumentou quando ela passou a ser uma das voluntárias do Puxadinho da Nonna, uma das atrações típicas da Festa da Polenta. E quando foi promovido pela primeira vez um concurso de culinária típica dentro da programação do evento, ela foi campeã ao concorrer com uma broa que era receita de sua mãe.
Em 2019, já com muitas clientes, Adriana passou a participar da Feira da Agricultura Familiar de Venda Nova, que acontece todas as sextas-feiras no Centro de Eventos Padre Cleto Caliman. São 30 itens ofertados e embalados com um selo de identificação “Tia Adriana”, adesivo com um campo onde ela escreve o nome da receita e a validade.
Para dar conta de atender toda sua clientela, Adriana começa a produzir logo no início da semana. Ela dedica as manhãs de segunda-feira para fazer as compras e produz os pães de mel e as roscas na parte da tarde. Na terça ela faz biscoitos o dia inteiro e na quarta, a massa doce para o famoso 'Pão de Jesus' (assado logo cedo no outro dia) e produz os pães de nata. Este último tem muita saída e ela prepara pelo menos 40 pacotes.
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Os vários sabores de bolos (chocolate com cobertura, cenoura com cobertura de chocolate, tangerina, de ló...) são preparados na quinta-feira, assim como os 'Pães de Jesus' salgados. Adriana produz pelo menos 100 bolos e dificilmente ela retorna com algum para casa. “Algumas clientes ligam e já fazem seus pedidos, que podem ser pegos em minha casa ou na feira”.
A manhã de sexta-feira é dedica às receitas que devem ser consumidas mais frescas, pois têm validade curta. Estão neste rol, os bolos de mandioca e coco e os pães de banana. Logo depois do almoço, ela ajeita tudo em seu carro para sair de casa por volta das 15h30, pois os portões do Centro de Eventos são abertos às 16 horas para o funcionamento da feira.
Para dar conta desta rotina, Adriana acorda cede e às 7 horas está com o seu almoço 'encaminhado' e logo ela sobe para a sua sala de produção, que funciona em uma cozinha montada no sótão da casa.
Dificilmente ela deixa de participar da feira, como aconteceu no dia 10 de fevereiro. Trata-se de um ambiente onde ela fez muitas amizades e encontra com muitos amigos. Feliz com o acolhimento dos colegas de feira, Adriana mostrou uma das mensagens da sua vizinha de barraca, reclamando de sua ausência e como todos perguntavam: “cadê a moça dos bolos?”.
Pão de Jesus
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Uma das receitas mais emblemáticas da lista de itens produzidos pela Adriana, o “Pão de Jesus” tem significado e um lugar na história comunitária de Venda Nova. Só é possível produzir a receita caso a pessoa ganhe um pedacinho do fermento feito por outra pessoa e esta pequena porção é chamada de semente ou muda.
Acredita-se que esse poder de multiplicação, seguido pelos atos de divisão e de compartilhamento, deu origem ao nome do pão que se inspira na atitude de Jesus. Adriana conta que ela recebeu a muda de Aniceta Caliman há várias décadas. “Eu me apaixonei quando entendi como se faz o pão e o seu significado”, diz ao revelar que já doou várias 'sementes' do 'Pão de Jesus'.
Adriana conta que as pessoas se encantam quando descobrem que o pão tem na base o fermento natural e como ele é feito. “Este é um pão que pertence à cultura das famílias dos imigrantes italianos, que não tinham acesso ao fermento industrial. O trigo também era algo tão precioso que era guardado para fazer as roscas. Quando se fazia a massa da rosca, um pedacinho era separado, deixado para secar e depois guardado. Ficava até meses armazenado e, quando precisava produzir mais, era colocado de molho um dia antes de fazer uma nova massa, funcionando como fermento”.
Com muito zelo, disciplina e dedicação, Adriana se apropria dos conhecimentos de suas ancestrais para produzir alimentos de alta qualidade e de sabores inigualáveis. Tudo sai de suas mãos com muito carinho, pois ela sempre tem um sorriso e uma boa palavra para quem lhe dedica o mínimo de atenção. Nem a correria do atendimento na feira, principalmente nas primeiras horas, tira o bom humor e a alegria, que lhe são peculiares.