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Massas com gosto de história

Massas com gosto de história

Data de Publicação: 24 de fevereiro de 2017 09:08:00 Experiência, sensibilidade e trabalho árduo imprimem sabores e aromas às massas da cozinha do Alpes Hotel

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Foto Wanda Ferrera/Jean Davies

Quando ficou definido que dentro do Ristorante Dalla Ninna, do Alpes Hotel, funcionaria uma Casa de Massas, para abastecer a própria cozinha e também para vender, Dona Carmem Feitosa (sócia do empreendimento com a irmã Haydée) procurou conhecer as melhores de São Paulo. O objetivo foi estabelecer um parâmetro, que fosse para igualar ou ultrapassar. “Queríamos realmente fazer uma coisa boa”, lembra-se a matriarca.

Carmem ficou encarregada por esta parte do empreendimento por ter grande afinidade com a cozinha e seus sabores. Para chegar até uma determinada receita, ela fez testes até alcançar o que estabelecera como ideal, chegando a trabalhar até às 22 horas. “Esta é uma característica de Dona Carmem, que é admirável.  Ela fez isto com as massas, como faz hoje com os sabonetes que produz. Busca o ponto certo. Não desiste”, descreve Gláucia a sua própria mãe.

Quem busca a perfeição no que faz, sabe que o tempo, a temperatura, a esterilização, o cheiro, a cor, a textura e os sabores são sutilezas que fazem grande diferença. Dona Carmem levou cada detalhe às últimas consequências quando preparou o cardápio, que tomou como base a cozinha italiana.

No quesito massa, o macarrão e o inhoque estão na raiz cultural do imigrante italiano. Filha de Brígida Bernabé Feitosa, Carmem se lembra ainda hoje do hábito da mãe espichar meia mesa de massa. “Ela jogava trigo por cima para secar e ficar bem solta. Depois de seca, enrolava, cortava ao meio para fatiar depois, fazendo o espaguete ou o talharim. As pontas, mais grossas e irregulares, eram usadas para fazer o talhatele.”

De acordo com Carmem, um dos detalhes importantes na hora do cozimento é colocar dois litros de água, com uma colher de sopa de azeite e meia colher de sal, para cozinhar 600 gramas de massa. Já o molho, varia. “Na época da Segunda Guerra o trigo era artigo de luxo e os nonnos não comiam sem o macarrão. Minha mãe, muito aguçada, desenvolveu uma receita feita com amido de mandioca, com araruta (feito com uma raiz parecida com gengibre) e um pouco de trigo e ovo para dar o ponto. Ela costumava trocar informações com Maria Cola, que tinha muitas boas ideias na cozinha”, recorda.

Além de procurar informações gastronômicas em São Paulo e em livros e revistas, Dona Carmem se valeu de suas experiências familiares para desenvolver as receitas que até hoje fazem na Casa de Massas do Ristorante Dalla Ninna. A casa vende espaguete, talharim, ravióli, rondelli de diversos sabores, lasanhas, inhoque e tortele de abóbora. Todas são massas muito finas e com uma textura muito suave.

Na infância, Carmem e as irmãs Haydée e Izabel aprenderam com a mãe a costurar, cuidar da casa e cozinhar. A matriarca Brígida, que era descendente de Trentinos, sempre usou muitos temperos e condimentos. E, como já foi exemplificado antes, usava de muita criatividade na cozinha pois, devido à escassez, precisava aproveitar bem os alimentos e a comida devia ser bem gostosa.

Para dar suporte, a horta da família era sortida, com vegetais e muitas ervas aromáticas, utilizadas de acordo com cada prato. Para fazer um bom caldo de 'minestra', por exemplo, usava-se o alho poró, salsão, alecrim, sálvia e cebola branca. Já para o molho de inhoque (de batata ou de trigo), usava-se o tomates (molho ao sugo), acrescentando sobras de carnes (como por exemplo, porco picadinho) ou outra carne e manjericão. Não era costume deixar o molho muito espesso.

Como o patriarca Antônio Roberto Feitosa gostava de comer carnes temperadas com ervas e condimentos, as filhas aprenderam cedo a fazer carneiro, cabrito, frango caipira, porco, etc. As carnes nunca eram assadas em grandes pedaços e usava-se o alho e o sal grosso bem socados, acrescentando o alecrim picado. Socava-se e adicionava-se o tomilho.  Ao final, a cebola branca picada bem fina e socada junto. A esta mistura, adicionava-se a pimenta do reino moída, pimenta malagueta ou pimenta calabresa seca (se tivesse) e também cravo da índia moído.

Aos 13 anos, Carmem foi para o colégio interno, o Cristo Rei, em Cachoeiro de Itapemirim, onde estudou por quatro anos. Todas as férias, ela e as irmãs tinham que ajudar em casa. O pai, sendo farmacêutico, gerava um grande movimento ao fazer atendimento na casa, que funcionava como um verdadeiro ambulatório.

Num dos períodos de férias, o patriarca adoeceu e a situação da família se complicou. Haydée se casou e Carmem foi recrutada para trabalhar com a mãe, que resolveu abrir uma pensão com serviço completo de hospedagem e alimentação. Carmem ajudava em tudo. Era um serviço pesado, sem as comodidades das tecnologias atuais, como lavadora de roupa, geladeira e freezer.

Também não existiam açougues e nem mercado e era preciso comprar os animais inteiros (bois e porcos) para abater, destrinchar e preparar todas as partes, com o máximo de aproveitamento, usando técnicas próprias da época (carne de sol, na banha ou de lata, embutidos em geral, incluindo o socol) para conservá-las ao máximo de tempo possível e assim tê-las para servir nas refeições.

Ainda na época de escolas as irmãs começaram a participar do clube de senhoras e moças, iniciado pela então Acares (hoje Incaper), recebendo instruções de higiene e outras habilidades domésticas, com boas práticas de produção de alimentos e aproveitamento de frutas e verduras, assim como produção de queijos, pães, biscoitos e geleias.

Na ocasião, eram chamados especialistas de escolas agrícolas para ministrar treinamentos e o planejamento dos cursos eram feitos seis meses antes. Carmem foi presidente do Clube por um tempo e considera esta experiência decisiva para aprimorar a mão de obra das mulheres, as responsáveis pelas produções que mais tarde se tornaram as grandes atrações do agroturismo.

Casa de Massas: além das massas para os eventos, produzimos: lasagnas, gnochi (inhoque), tortelli de abóbora, raviolis, rondellis e cannellonis. Como a produção é bastante artesanal, deve-se encomendar com antecedência.

Caprinova

Dona Brígida também fazia socol em casa, iguaria que incluía muitos condimentos no seu preparo. E o socol foi a inspiração para Dona Carmem começar a produzir para  a cozinha do Alpes Hotel e o sabor peculiar e leve do produto gerou demanda para atender os turistas em casa, uma edificação muito simpática que fica num condomínio com ares rurais bem no Centro da cidade. Não podemos esquecer que o rural está muito próximo do urbano em Venda Nova.

Com 80 anos, Dona Carmem continua na ativa, gerando renda para pelo menos mais duas pessoas ao manter a Caprinova. São 20 anos de Caprinova, um empreendimento que funciona nos fundos de sua casa, onde no passado criava-se cabras, a atividade que inspirou o nome da marca.

No local, os turistas encontram sabonetes artesanais, uma linha de antepastos, molhos, socol, geleias e café produzido no sítio da família. Em todos os produtos, a marca da anfitriã: sabor, perfume, atenção a cada detalhe no processo de produção, resultando em produtos especiais e únicos.

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