Cafés especiais- Trabalho de extensão aproxima informações acadêmicas do campo
O retorno dos produtores está vinculado aos fatores multiplicadores. Isto é, o beneficiado passa a propagar tal experiência, motivando seu entorno e aqueles que possuem situações similares
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Impossível não se render a emoção de Aldemar Polonini Moreli ao falar das conquistas dos produtores de cafés especiais e microlotes que passaram pelos cursos promovidos pelo Lapc do Ifes- Campus Venda Nova do Imigrante. São pessoas que estão reconhecendo melhor o potencial de suas propriedades, se organizando e usufruindo e também sendo difusores de conhecimentos no seu meio.
Ele, além das disciplinas que ministra no Ifes, faz o trabalho de extensão levando as informações acadêmicas numa linguagem acessível e sintonizada com a realidade das famílias rurais. Como numa via de mão dupla, o conhecimento também faz o caminho de volta e serve de base para novos estudos e a busca de novas estratégias para colocar a ciência à serviço da comunidade.
O papel desenvolvido, conforme explica Polonini, está diretamente vinculado ao Programa de Extensão registrado no Ifes “Transferência de tecnologias e inovação para colheita e pós-colheita do café arábica na Região Serrana do Estado do Espírito Santo”. De acordo com ele, visa ajudar o cafeicultor a promover a sustentabilidade do seu agronegócio, levando alternativas tecnológicas para que possa desenvolver suas atividades produtoras com menor risco.
A abertura do Lapc, a partir de 2014, é outro fator preponderante para a evolução do conceito participativo da Instituição. A partir de então, o professor Lucas Louzada Pereira iniciou as ações envolvendo os produtores que forneciam os frutos de cafés para as pesquisas inovativas e, em contrapartida, passou a fazer a análise de qualidade dos cafés. “Com isso, as participações dos produtores de cafés em nossas ações de pesquisa foram cada vez maiores e se tornando mais abrangente regionalmente. Hoje, é comum recebermos demanda de todas as regiões brasileiras”, explica Polonini.
O programa de extensão direciona o envolvimento da equipe do Lapc com produtores de base familiar. Contudo, Polonini esclarece que também oferece atendimento a partir da formalização de parcerias institucionais. “Assim, todos os cafeicultores podem ter acesso às tecnologias geradas pela equipe, partindo do interesse destes, que nos procuram para tirar dúvidas e buscar alternativas inovadoras”.
A atuação do Lapc está voltada para o seguimento de pós-colheita do café, pois as etapas de colheita e pós-colheita são as mais importantes na definição da qualidade final do café. “Nessa fase é extremamente necessária a implementação de tecnologias e inovações e várias são geradas pelas instituições de ensino e pesquisas, capazes de contribuir para que os produtores possam alcançar o êxito”.
A partir desse entendimento e atendendo às finalidades e objetivos do Ifes, Polonini diz que coube ao Lapc investir em metodologias mais eficientes que melhorassem a relação da insti-tuição com os produtores rurais. “Passamos a desenvolver atividades de extensão, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos. Tais ações têm ajudado a promover a sustentabilidade do agronegócio café, que está inserida nos objetivos das instituições de ensino, pesquisa e extensão”.
Capacitação
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Os bolsistas do Lapc Sabrina Mendonça dos Santos, Alcione Márcia Ferreira da Silva
e Michel Mendonça dos Santos em conexão direta com as propriedades produtoras de café.
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Em 2018, o Lapc implantou no Ifes- campus Venda Nova do Imigrante um curso com o objetivo de capacitar os produtores na produção de cafés especiais e em 2019 foi incrementado uma parte prática. A partir de então a equipe passou a visitar as propriedades dos envolvidos direcionando processos tecnológicos voltados a mitigar problemas internos e contribuir para a produção de cafés especiais com responsabilidade social e segurança alimentar.
As situações encontradas foram diversas, sendo, em alguns casos, a propriedade era quase completamente desprovida de infraestrutura mínima para produção de especiais. “No campo, minha abordagem é de empoderamento do produtor, buscando levar a ele uma condição de que é capaz de aprender, de adotar e de decidir sobre as medidas aplicáveis a sua realidade”.
Conforme Aldemar, essa abordagem é feita a partir da identificação da realidade, isto é, tendo como base um diagnóstico local, no qual se considera os fatores ambientais, econômicos e sociais. “Esse olhar me permite inferir alternativas que facilitam o relacionamento e a evolução tecnológica. Não existe uma receita única para ser empregada. As tecnologias podem ser aplicadas de várias formas, considerando-se o capital intelectual, humano e financeiro da propriedade. Em grande parte das propriedades o que faz a diferença é o nível de motivação aplicado”.
E o que o produtor entrega depois disso tudo? De acordo com Polonini, as entregas estão vinculadas aos fatores multiplicadores, isto é, o beneficiado passa a propagar tal experiência, motivando seu entorno e aqueles que possuem situações similares. “Alguns colocam a propriedade à disposição para visitação e estudos, colaborando com a ampliação dos casos de sucessos e multiplicando os exemplos propulsores do desenvolvimento”.
Apesar do foco principal do Lapc ser o pós-colheita e o compromisso da equipe seja orientar o produtor que necessita de orientações sobre tratos culturais a buscar orientações nos órgãos assistências como o Incaper, algumas questões podem ser tratadas durante as visitas. “É que o fato de possuir experiências e conhecimentos sobre o tema café e estando na propriedade desenvolvendo as ações programadas, algumas questões sobre manejo de lavoura poderão ser trabalhadas, pois em todas as fases do cultivo cafeeiro é possível adotar tecnologias que resultarão em melhorias econômicas para a propriedade’’.
Encantamento
Para Polonini, o alcance do potencial é fruto do encantamento, tanto da equipe do Lapc quanto do produtor. “Já a elevação do fator econômico é resultado do processo de evolução social e da mudança de conceitos. Assim, ao se estabelecer uma meta, devemos trabalhar buscando o crescimento socioeconômico através da assimilação de conhecimentos”, pontua.
Polonini destaca que o Ifes possui a missão de “promover a educação profissional, científica e tecnológica de excelência, integrando de forma inovadora o ensino, a pesquisa e a extensão para a construção de uma sociedade democrática, justa e sustentável”. Assim, considerando o importante papel do Ifes no processo de desenvolvimento regional, nos cabe promover todos os meios capazes de levar ao nosso público informações de excelência e contribuir para a evolução do seguimento.
Para ele, a transferência de tecnologia tem se tornado um desafio para as instituições acadêmicas. “Para superarmos esse gargalo, buscamos alinhar uma interação de proximidade com o setor cafeeiro e desta forma temos alcançados resultados promissores”.
Os alunos são a ponte
Os estudantes que formam a equipe de bolsistas de apoio aos diversos projetos em desenvolvimento no Lapc têm sido uma base de fortalecimento ao programa de extensão. Ao participar diretamente das ações de desenvolvimento científico, eles vivenciam os procedimentos e a execução dos processos inovativos. É uma oportunidade de ampliar as habilidades e isso tem contribuído para a evolução do segmento, a partir do momento que passam a contribuir com seus familiares.
'’Os familiares, ao perceberem a evolução, passam a participar mais ativamente das atividades de seus filhos, vivenciando algumas práticas desenvolvidas na academia (Ifes) e isso tem favorecido positivamente a interação entre o Instituto e o setor produtivo. Esse envolvimento familiar, a partir do estudante, proporciona oportunidades para o negócio e amplia as expectativas socioeconômicas”, avalia Polonini.
Ele cita como bom exemplo o que aconteceu com a família da Sabrina Mendonça dos Santos, proprietária em Vista Alegre, comunidade de Afonso Cláudio. “Ao perceber a relação do Campus Venda Nova com o café, ela buscou se aproximar do Lapc a fim de interagir e ampliar seus conhecimentos, vivenciando as práticas e colaborando com as ações de pesquisa e extensão. Ela incentivou sua família a participar da terceira turma do curso de produção de cafés especiais, matriculando seu pai e seu irmão. O resultado foi um verdadeiro processo de transformação técnico social”.
Com essa interação, a equipe de extensão teve a oportunidade de visitar a pro-priedade da família, iniciando uma relação de extensão, transferindo conhecimentos gerados na academia. “Tudo foi feito a partir de um olhar que permite identificar pontos de gargalo no sistema produtivo, seja ele estrutural, técnico ou socioeconômico”.
Para Polonini, desta forma gera-se uma relação de confiança, transformando a convivência em uma grande oportunidade, onde sugestões para resolver problemas ou para evolução tecnológica passa a ser uma estratégia inovadora. No caso desta família, alguns exemplos desta relação já é possível ser identificado através do envolvimento dos estudantes Sabrina e Michel que têm participado ativamente do agronegócio familiar.
Como pode ser percebido, os alunos levam para as suas famílias o que estão vivenciando na prática no Lapc e, com essa postura, acabam assumindo esse papel de quebrar padrões. Para Polonini, o grande paradigma está relacionado ao fato de existir tantas tecnologias disponíveis sem serem utilizadas pelos produtores. “Ao envolvermos os alunos nas ações de pesquisa e no apoio ao desenvolvimento das ações, repetidamente, eles vão adquirindo expertises que têm favorecido a superação de gargalos, facilitando a prospecção de desenvolvimento socioeconômico”.
Os alunos envolvidos nos projetos do Lapc têm sido preparados para serem agentes transformadores e a primeira prática deve ser empregada em suas próprias organizações: a instituição familiar. Poloni ressalta que ali ainda existe a possibilidade de se corrigir sem afetar o raciocínio lógico da evolução intelectual. “Esses serão os profissionais do futuro, preparados para o olhar crítico e evolutivo do seu negócio”.
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ALICE DELA COSTA CALIMAN, 24 anos, filha de Elilda Dela Costa e de Edimo Caliman, e tem um irmão de 20 anos, retrata bem o perfil dessa nova geração de mulheres que está conquistando um lugar na produção de cafés especiais. A família mora em Lavrinhas, Venda Nova, onde toca uma lavoura de café, atividade na qual ganhou mais espaço depois que passou a integrar a equipe do Lapc, do Ifes- Campus Venda Nova, onde ela cursa o último período de ciência e tecnologia de alimentos. “Meu pai me deu mais abertura quando passei a fazer parte do Lapc, principalmente quando tive a oportunidade de trazê-lo para ver de perto as tecnologias desenvolvidas aqui”. Ela se refere, de modo especial, ao método de secagem em estufa em terreiro suspenso para fazer testes de fermentação. “Ele viu que dava para investir. Viu os resultados. Agora ele vai fazer uma estufa maior e investir em uma unidade de processamento”.
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ANDRÉ LUIZ TSCHAEN TONOLI é de Paraju, Domingos Martins, e é graduando em administração. Em acordo com os pais Luzia
Tschaen e Vendelino Tonoli, largou um estágio quando foi convidado para atuar no Lapc e está seguro de que fez a escolha certa. Paralelas às experiências no Lapc, André Luiz começou a ajudar a família no pós-colheita e no processamento dos cafés. “Começamos a aplicar o que aprendi e na primeira secagem os resultados já foram percebidos. A princípio existiu um certo receio, mas meus familiares foram vendo as vantagens e a mentalidade foi mudando”, diz o estudante que agora tem a propriedade seu principal projeto de vida. “Antes pensava em ter um trabalho fora e cuidar da propriedade como segunda opção. Hoje é a minha primeira opção ser produtor de cafés especiais”.
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SABRINA MENDONÇA DOS SANTOS é bolsista do programa de extensão do Lapc. A filha de Andréia Mendonça e João Roberto dos Santos não pensou que sua vida fosse mudar tanto ao ingressar no Ifes, em especial no Lapc, onde atua há um ano e dois meses. Ela é de Vista Alegre, Afonso Cláudio, e saiu para estudar já pensando em voltar para cuidar da propriedade, mas não imaginava que sua visão sobre a cafeicultura fosse mudar tanto. “Onde antes eu enxergava algumas restrições, hoje vejo oportunidades, principalmente em relação à produção de cafés especiais”, diz a filha e neta de cafeicultor. “Aldemar insistia sempre para eu trazer meu pai que, quando veio, percebeu que o café é muito mais do que ele fazia, apesar de já comercializá-lo como especial, percebendo então que café é fruto de relações”.
No ano de 2019, seu pai e o irmão Michel fizeram o curso “produção de cafés especiais” no Ifes (do qual Sabrina fazia parte da organização) e foi ai que Michel percebeu que seu caminho também estava ali. Ele deixou de ir para Viçosa-MG, onde cursaria agronomia, para fazer o curso de ciência e tecnologia de alimentos do Ifes, pois compreendeu que junto com sua irmã conseguiriam investir em projetos na propriedade familiar. “Ele viu a vantagem de fazer esse intercâmbio entre conhecimento e prática. Durante a pandemia nós passamos cinco meses em casa e foi um período de trabalho intenso, quando participamos diariamente de todos os processos que envolvem a colheita e pós-colheita. Hoje, através de parcerias conseguimos exportar nosso café com valor agregado”.