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As mulheres nos pilares do agroturismo

As mulheres nos pilares do agroturismo

Data de Publicação: 27 de março de 2020 21:41:00 Nunca época de escassez, elas garantiam as variedades alimentares e também um pouco de renda para as famílias com suas produções caseiras. O agroturismo surgiu em Venda Nova a partir dessa prática e quatro mulheres estão no pilar dessa nova forma de produção de riquezas no meio rural

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Receber o turistas com um cafezinho fazia parte das alegrias
do casal Iria Carnielli e Joãozinho Busato.

Em suas recordações mais remota da infância, Lúcio Busato se lembra da mãe fazendo queijos. Dona Iria Carnielli Busato produzia os queijos para o consumo e o excedente entregava aos supermercados de Venda Nova. “Ela levava os queijos e trazia de volta açúcar, trigo, azeite, sal...”, recorda-se o filho.

A família tinha de quatro a cinco vacas em lactação, produzindo de quatro a cinco litros diários cada uma, o que resultava numa produção média de dois a três queijos por dia. “Minha mãe tinha o capricho de fazer os queijos e toda quinta-feira levava uns 15 para os supermercados. Sexta e sábado era dia de movimento e os clientes compravam tudo”.

Iria faleceu no dia 5 de abril de 2005, aos 66 anos, e deixou sua contribuição para a sua família e para a comunidade. “Ela estava afastada da produção, mas atendia as pessoas com muita alegria, contava histórias. Era uma felicidade. Se ela estivesse viva hoje, seria um pagode...”, imagina Lúcio.

Dona Iria, junta com Cacilda Caliman, Carmem Feitosa e Cila Altoé foram as mulheres mais importantes para o agroturismo, no momento do reconhecimento da atividade como tal. Cada uma, com suas habilidades e conhecimentos, construíram o pioneirismo do agroturismo.

Quando o Alpes Hotel, liderado por Luiz Feitoza Perim, começou a visitar as propriedades para levar visitantes numa Kombi, a família de Dona Iria se animou em receber, assim como outras que compuseram esse primeiro cenário da atividade. Antes, em 1991, Lúcio saiu para fazer cursos em Juiz de Fora (MG) e Nova Friburgo (RJ).

Ele se recorda que o leite era abundante e a família enxergou que era preciso outras receitas para maturar e que pudessem aguentar mais tempo armazenados para a venda. No caso, o parmesão e o tipo suíço. Logo depois aprendeu a fazer o minas padrão, mas que não teve uma saída boa no local.     Oito meses depois, um rapaz de Vitória levou toda a produção de minas padrão, mas a um valor considerado muito baixo. Dona Iria falava, “deixa levar que uma hora a gente acha o caminho”.

E o caminho veio: o agroturismo. “Nós recebíamos as pessoas dentro de casa mesmo. E percebemos a felicidade dela em receber os clientes  e, com sua simpatia, foi conquistando o pessoal da imprensa. Sua naturalidade, boa memória e sabedoria ser tornaram um atrativo”.

Iria, filha de Ângela Destéfani e Francisco Carnielli, nasceu na Fazenda Carnielli, ao lado da propriedade da família Busato. E ela se casou com o vizinho, o Joãozinho, filho de Maria Canal e João Busato, recebendo como dote uma máquina de costura e um baú, que está na propriedade até hoje. De lá, ela trouxe saberes, como produção de diferentes biscoitos, bolos, pães e doces, também muito cobiçados pelos turistas.

Exibindo a foto dos avós (Iria e Joãozinho), Joãozinho e Edgar, filhos de Lúcio, com Carol
Busatto Lorenzoni, filha de Carminha. Os primos representam parte da terceira geração
que se envolve naturalmente na atividade familiar.

As suas recordações da infância, como eram as brincadeiras e  os costumes do tempo de sua juventude encantavam os que chegavam na propriedade. Mais do que comprar um queijo, as pessoas queriam saber da vida das famílias produtoras daquele alimento. “Uma das coisas que minha mãe gostava de contar era como tudo era rígido antigamente. A educação era severa, em especial tinham os costumes da Semana Santa, quando não era permitido fazer qualquer tipo de barulho dentro de casa e todos tinham que participar da programação religiosa”.

Lúcio se recorda que a mãe contava das dificuldades enfrentadas ali, em sua juventude. Sem carro, sem estrada, sem energia elétrica. Tudo era muito mais difícil, mas cheio de momentos de alegrias, como os incidentes com as lamparinas. Tudo tinha graça sob o olhar e vivência de Iria.

“Ela sempre recebia os clientes com alegria. Eles diziam: 'as contas, Dona Iria! E ela retrucava: 'Por que está com pressa? Vamos conversar mais!' E assim era prosa que não acabava mais”. As recordações de Lúcio servem para compreender o quanto o agroturismo despertou as famílias de imigrantes italianos, sempre restrita, para a convivência com pessoas de outras origens.

As famílias abriram suas porteiras para receber os visitantes e se estruturaram para abraçar essa nova oportunidade. Em 1998, mais especificamente na Festa da Polenta, a família inaugurou a lojinha. Até então, os turistas eram recebidos na varanda e na cozinha da casa.

“Meu pai ficou com dúvida se daria certo, pois temia a grande quantidade de pessoas frequentando a propriedade. Já minha mãe disse que teríamos que tentar para saber se daria certo. Minha mãe gostava tanto de ficar no meio das pessoas que quando a Agrotur  criou a lojinha no Alpes Hotel, ela adorava ir aos sábados atender lá”.

Em 1996, Carlos Busato (outro filho de Iria) e a esposa Isabel passaram a produzir açúcar mascavo, melado, rapadura e cachaça. Eles plantavam cana e cuidavam de todo o processo que resultava em mais esses produtos para a lojinha da família.

Mais adiante (em 2006, precisamente), eles criaram uma adega na parte inferior do casarão antigo onde já moravam (um pouco abaixo da casa principal da propriedade) e passaram a comercializar a produção deles lá. Eles tinham muitas cachaças envelhecidas no porão, que com algumas adaptações se tornou um grande atrativo para os visitantes.

Em 2000 Lúcio e a irmã Carminha começaram a assumir a atividade. Ela com a produção dos biscoitos, bolos, pães, biscoitos, doce de leite, aprimorando embalagens. Casada, Carminha morava na comunidade da Tapera e retornou para a propriedade da família especialmente para esse fim.

Lúcio, além dos queijos, começou a atuar na área de produção de feijão, café, leite e silagem de milho para alimentar os animais e fazer fubá. Logo, ele começou com o café descascado e passou a torrar e embalar para vender com a marca da família. “Ficamos cegos durante quase dez anos. Cegos para outros produtos de outras culturas da propriedade, mas principalmente para o café”, avalia Lúcio.

E era esse café delicioso, coado todos os dias na cozinha da família, que os pais passaram a degustar diariamente com os visitantes. Eles colocavam uma garrafa na mesa da entrada da lojinha e ficavam proseando, sem o compromisso com a produção.

Quando Carlos e a esposa desceram para sua adega, outros produtos oriundos de algumas propriedades vizinhas também saíram da prateleira, ganhando ponto próprio de venda em sua origem. “Acho que o ideal é ser dessa forma, pois assim todos crescem e o turista encontra coisas diferentes nos lugares por onde passa”.

Até hoje os clientes se lembram de Dona Iria. Ela deixou saudades, mas cumpriu sua missão de criar os filhos, desenvolver neles habilidades e curiosidade para buscar o novo. Agora, os netos dela estão assumindo funções na propriedade. No caso de Lúcio, os filhos Joãozinho (14 anos) e Edgar (17) ajudam na produção e no atendimento, sempre no contraturno escolar ou nos finais de semana. “Joãozinho tem jeito pra coisa. É extrovertido e as pessoas gostam dele”, diz o pai.

Joãozinho estuda em período integral na Escola Domingos Perim e gosta de ajudar, junto com o irmão, nos finais de semana. Ele sabe da história da família, conhece e participa (quando dá) do processo produtivo e gosta do modo de vida da família. “Preparo o café e tomo com os visitantes que chegam aqui”, diz o garoto que pensa em fazer faculdade e continuar morando no lugar.

Queijo artesanal e caseiro

Com o rigor da fiscalização, em 2013 a família Busato encerrou sua produção de queijo e outros laticínios para comercialização e focou em outros produtos. Quem vai à loja encontra vários tipos de cafés, fubás, biscoitos, pães e bolos feitos pela família.

Lúcio explica que ao município aderir ao Susaf, que dá possibilidade da produção ser vendida fora da propriedade e fora de Venda Nova, a produção local ficou sob novas regras para atender ao mercado, “Minha intenção sempre foi a produção artesanal, caseira e de maturação na tábua, do jeito que era antigamente. Esse modelo de produção perdeu a possibilidade de continuar”.

Dentro desse modelo, Lúcio produzia e o cliente comprava o queijo ainda verde, que era guardado na câmara de pedra, onde ficava maturando, devidamente identificado com o nome do dono. A ideia de fazer a 'reserva de queijo foi da matriarca Iria e a Família Busato chegou a ter mais de 1.200 clientes cadastrados. O espaço ainda existe e na porta de madeira tem um texto escrito pelo jornalista Ronald Mansur em1998 em homenagem à sua mãe.

A produção de queijo da família agora é só para consumo próprio. “Só as agroindústrias continuaram sua produção de queijos e derivados. Nós focamos em outros produtos e continuamos a receber muitos visitantes, que vêm aqui para um bate papo e para levar nossos produtos genuinamente produzidos aqui, na nossa propriedade”.

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