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Arquitetura em evolução

Arquitetura em evolução

Quando o presente faz a releitura do passado para se projetar no futuro

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Emílio Caliman Terra, esse rapaz de quase dois metros de altura e com 33 anos de idade, se desponta com um jeito novo de fazer arquitetura na Região. Em vários projetos foi capaz de olhar com ternura para elementos do passado, recolocando-os na história, numa postura de quem vê na singularidade um caminho, talvez o único. Seu escritório, em Venda Nova, fala muito dele mesmo: das suas escolhas, da sua alma e do seu encantamento com suas raízes

Como ele lapidou o profissional

O momento de definir a profissão a seguir é uma fase bastante tensa na juventude e alguns detalhes da memória de Emílio dão pistas de que uma escolha não se faz por acaso. “Eu era criança e me encantei com o caderno de imóveis quando, no ato de reunir as folhas do jornal que se espalharam pelo quintal da casa do meu tio, me deparei com a diversidade de plantas dos apartamentos de Vitória... Dali por diante eu esperava o dia da semana que o jornal trazia este encarte. Eu analisava com tanta atenção os edifícios que até hoje sei identificar alguns deles e me lembro de como eram as plantas internas dos apartamentos. Há pouco tempo encontrei um edifício no Bairro de Itapuã em Vila Velha... Foi uma enorme surpresa encontrar algo lá da infância tão ligado à profissão que eu escolhi”, recorda-se.

No ano de 2000, Emílio ingressou no curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo- Ufes. Foi uma época de muita ralação, já que ele teria que trabalhar para complementar sua renda mesmo estando num curso integral. Devido à situação, ele levou mais tempo para se graduar, mas se propôs a fazer dessa dificuldade um diferencial na sua formação. “Eu  me desafiei a fazer tudo o que fosse possível para me aprimorar: trabalhei na secretaria de Habitação Social da Prefeitura de Vitória e com escritório de arquitetura de interiores, fiz pesquisa de iniciação cientifica na faculdade e estágio em um dos maiores escritório de Vitória, a DG Projetos, liderado por Diocélio Grasseli.

Esta última experiência foi uma porta que se abriu por pura e feliz insistência. “Totalmente determinado, no dia que fui lá pedir o estágio, a recepcionista disse que não tinha vaga. Então eu falei: '-Mas eu sou de Venda Nova”, e assim eu atrai a atenção da Regina Grasselli, sócia do escritório, que foi conversar comigo depois ouvir eu dizendo de onde era. Ela me abriu a oportunidade de trabalhar sem remuneração para eu aprender o software de projeto. Passadas duas semanas, eles abriram a vaga de estágio e eu, a oportunidade de um dos maiores aprendizados da minha vida profissional. Este escritório é autor dos projetos do Fórum e do Senac de Venda Nova, sendo que neste segundo atuei na época que estagiava lá”.

Quanto estava finalizando a graduação, ao pensar no próximo passo, Emílio ponderou duas possibilidades extremas: ir para um grande centro ou retornar para Venda Nova. “Todas as pessoas das quais me aconselhei me indicaram que voltar para o interior seria um passo atrás na carreira. Já eu via de forma diferente. Eu sabia dos desafios das duas situações e também das vantagens”.

Na ocasião, uma das reflexões que apontavam o caminho correto, Emílio achou em um livro do qual não se lembra o título. “Um trecho dizia algo do tipo: que se queremos nos desenvolver precisamos acreditar na comunidade em que vivemos. E dizia também sobre confiança ser uma via de mão dupla... Essa leitura me levou a interpretar que se tem alguém desta comunidade buscando desenvolver sua profissão também terão as pessoas que estarão dispostas a absorver esta proposta, e assim a relação de confiança e construção vai acontecer”.

Diante dessa reflexão, Emílio olhou para Venda Nova, Pedra Azul e toda a região e só enxergou oportunidades de realizar o seu sonho e também contribuir com o sonho das pessoas, pois ele acredita que arquitetura é constituída por uma boa parcela de sonho. “Eu pensava também: as pessoas que querem construir lá não precisam buscar profissionais de outros lugares, elas podem ter um bom escritório de arquitetura no seu próprio local. E este se tornou um dos eixos condutores da minha profissão. Fora isto, é arregaçar as mangas e servir, dioturnamente”. 

Quando Emílio decidiu por Venda Nova, colocou também uma condição para si mesmo: a de que deveria ser tão ou mais realizado profissionalmente do que se tivesse optado por uma grande cidade. E este pensamento é um diálogo constante que ele mantém com ele mesmo. “Afinal, o que é ser bem-sucedido? Descubro isso dia após dia”, pergunta e responde ele mesmo. 

Dentre uma atividade e outra, no escritório ou nos canteiros de obra, Emílio segue sempre se atualizando, pois sabe que o mundo da arquitetura e do design é naturalmente um mundo de muita novidade. Emílio sempre participa de feiras, cursos, mentorias... Enfim, está sempre ligado no que acontece. “E os parceiros também são um braço muito importante para nós arquitetos: engenheiros, lojistas, marceneiros, marmoreiros, mestre do obra, pedreiros, entre outros.  Estou sempre aprendendo com todas as pessoas que atuam em cada uma das frentes de serviço. Sei que para que meu projeto, ou melhor para que o projeto do cliente, se materialize conforme proposto, passa por inúmeras mãos  e cada um tem sua importância neste processo”.

E Emílio optou por formar um time afinado,  compondo a equipe no seu escritório. Há pouco mais de um ano promoveu um processo seletivo que atraiu cerca de 25 interessados. “Foram profissionais bons e de vários lugares: Vitória, Vila velha, Manuaçu/MG... Fiquei surpreso com a repercussão. Naquele momento a arquiteta Angelica Comper, de Itaguaçu, se juntou para formar a nossa equipe de talentos. Ela era recém-formada e topou morar em Venda Nova para encarar com responsabilidade a empreitada. Hoje somos em quatro integrantes: eu e Angélica de arquitetos e as graduandas em arquitetura Jaqueline Poletto e Izabela Tonoli, ambas estudam em Cachoeiro. Aprendemos muito juntos. Somos uma equipe bem-humorada, determinada e harmônica”.

No próximo 8 de julho o escritório completará três anos, tendo em seu portfólio a atuação em projetos de residências, agroindústria, turísticos, comerciais, entre outros. Trabalhamos com o projeto arquitetônico e com o de interiores, em um processo de bastante diálogo e busca por criatividade. Cada projeto procuramos tratar da experiência do cliente, para que através desse processo as pessoas venham a se habituar com o espaço que elas mesmas irão usufruir dali por diante.

Propósito com as raízes do CaféArq32

Quando Emílio decidiu desenvolver sua profissão em Venda Nova, colocou como propósito estabelecer uma relação direta com as características locais, com coisas que enxerga como valores regionais e culturais. Com essa      ideia, ele se dedicou a procurar um espaço que somasse no desenvolvimento desses pensamentos.  E o resultado foi surpreendente: a granja que, na época ainda servia para a produção de ovos, foi posteriormente desativada.

“Há de se notar que temos pouquíssimas construções em nossa cidade que tenham qualquer significado com a história/cultura local. E essas granjas (digo essas, pois existiram diversos exemplares por Venda Nova) são as primeiras construções feitas em escala no território, com um tamanho maior. Essas obras trouxeram um impacto visual mais marcante na época em que foram construídas. Foram um marco da arquitetura local, em meio à paisagem rural/natural predominante”.

Para Emílio, o tema comportaria a produção de um livro somente contando sobre a história dessas granjas da região, embora não queira se aprofundar nos méritos agora. “Mas cito que  a sua criação foi  motivada por uma cooperativa avícola na década de 60 que acertou que cada produtor construiria três unidades em suas terras. Diga- se de passagem, as granjas construídas pelo meu avô tinham as numerações 30, 31 e 32, sendo a 32 esta que estamos ocupando hoje. Por isto o nome do espaço é CaféArq32, a junção de café, arquitetura e contexto”, explica o arquiteto.

Durante o processo de montagem do escritório na granja, Emílio se encontrou com seu colega de infância Rafael Marques, que atua há anos na área de café. “Comentei sobre a ideia e que precisava de parceria, já que o espaço era muito amplo somente para meu escritório. Rafa prontamente topou o desafio, pois ele estava com o objetivo de montar sua empresa especializada em cafés especiais e queria também um lugar cheio de identidade. Então arrendamos o espaço com um contrato de cinco anos e valor de um aluguel mensal combinado. Fizemos todos os investimentos de infraestrutura e criamos este lugar incrível chamado Cafearq32, que abriga nossas empresas e também nossos sonhos.

“Entendo este espaço como algo temporário, o que influenciou também na forma de ocupá-lo. Por exemplo, em um trecho onde a estrutura estava comprometida retiramos o telhado e colocamos contêiners para abrigar algumas atividades, e assim também foi com a escada, com as bancadas, com a instalação elétrica. Todos os elementos são móveis com a possibilidade de serem reaproveitados em um novo lugar”.

A atmosfera criada no CafeArq32 é incrível. Além dessa relação com uma construção antiga (promovida pelo avô de Emílio há décadas e que já serviu como base de muito trabalho e sustento da família), o lugar abre espaço para uma viagem no tempo. “ A granja que na infância também era local de brincadeira dele e dos primos de repente faz Emílio se ver em outro contexto da vida: neste mesmo local, atuando profissionalmente, de frente a um computador moderno que o conecta com o mundo inteiro, fazendo arquitetura”.

Para somar, de repente o aroma de café torrado invade o ambiente e Emílio olha para o lado e se depara com pessoas de todas as nacionalidades. São pessoas de vários países que vão ao local por conta do café e ficam supressos e admirados com o espaço, tiram muitas fotos e elogiam em vários idiomas... Em meio a correria e pressão do trabalho do dia a dia, que existe quer queira quer não, o arquiteto tem esses momentos de surpresa pela própria vida. “Essa atmosfera dos sentidos é a principal base que procuro trazer para     meus projetos. Nem sempre levamos uma arquitetura totalmente exclusiva para cada projeto, mas sempre buscamos criar ambientes de emoção para cada um deles”, pontua.

Processo criativo

Quando questionado quais são os elementos mais presentes em seus projetos, já que essa sinergia com a região ajuda a construir a sua identidade como arquiteto, Emílio responde que não procura taxar os projetos, afirmando que sempre inicia cada projeto da estaca zero, deixando as ideias fluírem. “Procuro sempre um contato com a natureza, com os elementos do terreno, com os visuais ou, em caso de reforma, com algum detalhe que a construção já tenha. Mas não há regra. Há sim uma busca por desvendar os pontos relevantes e criar a nova história a ser contada dali adiante. Geralmente vamos coletando as referências trazidas pelos clientes, levamos as nossas percepções e transformamos em soluções e neste conjunto surgem as propostas e os detalhes que trazem encantamento para o projeto”.

Emílio se formou há cinco anos  e a profissão de arquitetura, para ele,  é como o vinho, que vai se apurando com o passar do tempo, incorporando novas características e se tornando melhor, mais consistente.  Dito isso, ele reforça sua liberdade em não se apegar ao fato de ter obrigatoriamente uma característica específica nos trabalhos, ou de ser o dono de uma grande ideia.  “Estou sim focado em desenvolver um bom trabalho, em que cada projeto cumpra com a sua demanda”.

Neste paralelo Emílio se guia para fazer do seu escritório uma empresa saudável,  que paga suas contas, remunera seus colaboradores, tenha capacidade de comprar equipamentos e investir em inovação, que tenha ganhos. Enfim, equilibrar todos os fatores que uma empresa precisa para existir, e, em conjunto a isto, seguir pelo fio condutor de proporcionar através da arquitetura a realização dos sonhos.

Em algum momento, o escritório precisa tratar de dinheiro, pois ele é um meio para abrir oportunidade para as realizações. E a realização principal do seu trabalho, afirma Emílio, está na sinergia entre arquiteto, projeto e clientes. “Para nossa alegria, temos ouvido feedbacks bastante positivos. Há pouco tempo, ao final da apresentação de um projeto de reforma de uma residência, os clientes visivelmente entusiasmados e emocionados, disseram: '- Este projeto nos trouxe novamente o amor pela nossa casa'. Este tipo de declaração, quando sincera, é de longe a maior recompensa. É aquela fração de segundo que o coração chega a aquecer e respirarmos fundo em nossa prece de gratidão antes de retornar para a realidade e tensão do dia a dia”.

Rotina

A dinâmica do cotidiano é de bastante trabalho. Em meio a isto, Emílio se permite pequenas pausas de respiro que o conectam com o ambiente em que vive. “Sempre admirei a paisagem natural e a cada dia mais valorizo isto. Minha rotina de escritório e obras e visitas aos terrenos deixam meu dia dinâmico e me permitem esses momentos. Estou sempre transitando pela região, por entre a mata atlântica, pelas propriedades agrícolas... É um lugar que faz todo sentido estar para mim”.

Com um perfil de observador e facilidade para se localizar geograficamente, Emílio disse que com o tempo vem aprimorando essas características. “Onde quer que eu esteja, tenho como se fosse um sensor ligado que vai passando um raio x em tudo, analisando os acabamentos, texturas, formas, cores, seja em um ambiente natural, seja em um ambiente construído”. No momento do projeto, ele diz que todas essas informações parecem circular pelo seu pensamento e, como peças de um quebra-cabeça, vão se encaixando no trabalho.

Emílio explica que o processo de elaboração do projeto tem etapas. Algumas vezes ele vai a um terreno e sai de lá com o projeto pronto na cabeça e o mesmo pode acontecer com a arquitetura de interiores ou com reformas... “Processo criativo não tem regra”, afirma.

De modo geral, Emílio trabalha o paralelo entre o lúdico e a praticidade, afinal, ele acredita que “a casa da gente é algo que construímos poucas vezes na vida. Não fazemos casa todo dia”. Ele vê o ser humano como invariavelmente afetivo, que sempre vai estabelecer alguma relação de afeto com sua moradia. “Temos que considerar que, a casa, o local do trabalho, enfim, o ambientes construídos serão os espaços onde passaremos o maior tempo de nossa vida. Por isso, não há o menor motivo para não se aplicar em um bom projeto de arquitetura e garantir a qualidade para o espaço em que vamos viver”, pondera.

Emílio afirma que um bom projeto não precisa ser caro.  Ele considera que é nessas horas que a o alinhamento entre as finanças, as expectativas e as possibilidades têm que ser eficiente. “Outra função do projeto de arquitetura é ser uma ferramenta importante de posicionamento, principalmente para os estabelecimentos comerciais, turísticos e de atendimento ao público”.

Essas considerações levam em conta que “todos nós estamos cada dia mais atentos aos valores das pessoas e apreciando mais a qualidade dos nossos momentos.  Sabemos que a vida é em grande parte exigente, temos muitos desafios e então estão mais valorizadas (sob a ótica do lugar) as  oportunidades de estar em família, de encontrar os amigos, de ter nossos estantes de descanso e de lazer. Isso vale até para os nossos momentos de ficar sozinhos. Uma grande obra sem identidade não tem vantagem alguma sobre um lugar simples e cheio de presença”.

Na avaliação de Emílio, esta nova consciência coletiva vai fazer cada vez mais as pessoas terem mais senso crítico e serem mais exigentes, tanto no papel de consumidor quanto no de usuário. “E a busca por identidade é a nova questão em voga. Não importa se você gosta mais de um estilo moderno, ou mais de um rústico, ou da combinação entre os dois. Importa o quanto você esteja envolvido com o seu projeto e disposto a receber ideias e se conscientizar delas. E isso dará singularidade para sua construção. Os frequentadores saberão entender isso e você, como usuário, estará satisfeito pelo lugar que proporcionou para si mesmo”.

Emílio Caliman

Escritório de Aruitetura

27 99841 4020

Sítio Dom Bosco, Estrada de Lavrinhas, Venda Nova do Imigrante

escritorioemiliocaliman@gmail.com

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