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A força das mulheres na história de uma oficina mecânica

A força das mulheres na história de uma oficina mecânica

As presenças da matriarca Edinea e das filhas Aline e Alice Behrend Falqueto demonstram um respeito ao feminino num espaço tipicamente masculino

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Sem dúvida o talento de José Dário Falqueto, proprietário que dá o seu nome à mecânica, é fundamental para o sucesso do trabalho que tem em sua base a sua longa jornada profissional e de vida. Mas nas vésperas do Dia Internacional da Mulher, o foco vai para elas: sua mulher e suas duas filhas, que são suas verdadeiras parcerias nos projetos familiares e profissionais, contrapondo a ideia de que a oficina mecânica é um ambiente exclusivamente masculino.

Vamos começar falando de Edinea Behrend Falqueto, que já revelou seu perfil empreendedor e de liderança aos 12 anos, quando ajudava o pai a cuidar dos negócios dele e assim continuou fazendo mesmo depois de casada. “Eu era muito menina quando eu ia conversar com o gerente do banco, seguindo instruções do meu pai, que como caminhoneiro viajava muito”, disse sobre seu perfil ativo em sua adolescência em Afonso Cláudio.

Edinea conta que seu pai a estimulava muito a abrir algum tipo de negócio. Sua relação próxima com ele se manteve mesmo depois de casada. Numa ocasião, ela conferia as medidas das cargas de madeira do negócio que ele mantinha em Afonso Cláudio. Diante de uma gravidez (da segunda filha, a Alice) que exigia cuidados, teve que parar de se arriscar em ficar se deslocando entre um lote e outro de madeira para fazer a medição.

Em Afonso Cláudio, chegou a ser sócia de uma fábrica de roupas íntimas, deu aulas (como substituta), vendeu produtos de revista de porta em porta e trabalhou numa papelaria. Quando ela e o esposo decidiram se mudar para Venda Nova, Edinea conseguiu um emprego no escritório da Unimed e mudou-se com as suas filhas. Dário manteve ainda a oficina em Afonso Cláudio por oito meses, até conseguir um ponto para se estabelecer em Venda Nova. Depois de instalados, Edinea deu sequência na vida profissional trabalhando na Fundação Deolindo Perim, na Secretaria da Igreja Católica e  na Pronova.

Na ocasião que trabalhou na Fundação, embora atuasse na recepção, ela reviveu a emoção de lidar com crianças, uma convivência que lhe trazia a mesma alegria de quando fazia substituições como professora. “As crianças gostavam de ficar comigo na recepção e, sempre que precisava, eu fazia o acolhimento e passava um tempo com elas. 

Movida pela vontade de se aprimorar, Edinea conseguiu uma bolsa de estudos na Faveni e se viu diante de um novo desafio. Era uma vida corrida: cumpria uma jornada de oito horas de trabalho, ajudava na administração da oficina do marido e estudava à noite. Tudo isso era cumprido sem deixar de executar os afazeres domésticos e de cuidar da família.

Seu último emprego antes de se dedicar com exclusividade profissional à oficina foi na Pronova, uma cooperativa sediada em Venda Nova que envolvia cafeicultores de toda Região Serrana do Espírito Santo. “Eu aprendi muito quando trabalhava lá. Visitei muitas propriedades e fiz parte de um projeto desenvolvido com as mulheres produtoras de café. Foi uma época de muito enriquecimento profissional e humano”.

Em todas as suas experiências profissionais, o lado afetivo de Edinea se manifestava. Ela, que cresceu conhecendo o carinho e o respeito de um pai, se recorda o quanto esta relação forte fez dela uma pessoa corajosa e também amorosa. “Nós sempre andávamos abraçados um ao outro”, diz ao lembrar da partida precoce de seu pai em um acidente na estrada.

Voltando ao lado empreendedor de Edinea, ela conta que ao fazer o curso de administração percebeu que o grande negócio da vida dela era a oficina do marido Dário. “Eu já fazia parte, mas sempre estava envolvida em outros trabalhos, em outros projetos. Estes empregos foram importantes para nos manter nos primeiros anos em Venda Nova, quando não éramos conhecidos’’.

A presença de Edinea e das filhas nos negócios da família é perceptível no perfil da oficina, que conta com novas instalações em Bananeiras, nas proximidades do Posto Falqueto. Ainda em construção e adequações, a oficina já reflete em sua estrutura o perfil da família, que busca ofertar um ambiente acolhedor e agradável para todos os públicos e com olhar especial às mulheres.

Edinea ressalta que as mulheres, tidas ainda como principais cuidadoras,  precisam que os espaços permitam que elas desenvolvam suas atividades com tranquilidade. Por isto os banheiros de clientes, por exemplo, contam com trocador de fraldas, pendurador de bolsa, etc. “É imprescindível ofertar um ambiente e atendimento adequados para as mulheres, que representam pelo menos 50% dos donos de veículos atualmente. Tudo ainda é muito simples em nossa oficina, mas estamos nos adequando para que elas se sintam à vontade. As facilidades que incorporamos beneficiam a todos, no final das contas”.

 

Ela, ele e as filhas

Edinea, que é descendente de pomeranos, se casou com um descente de italiano. Ambos nasceram em Afonso Cláudio. Dário é neto de um dos primeiros moradores da Fazenda Lavrinhas, em Venda Nova. Seu avô Luiz Falqueto mudou-se para Afonso Cláudio há cerca de 70 anos, motivado pela perda de sua esposa Eufêmia Zandonade e pela ideia de que as terras em Venda Nova eram poucas, diante de uma população que crescia muito.

Filho de produtor da comunidade de São Francisco, ainda menino Dário demonstrava inclinação para trabalhar com carros. Dário que é o segundo dos 10 filhos de Natal Falqueto e Angélina Côco, desde menino lidava com as ferramentas do pai. “A diversão dele era montar os carrinhos para os irmãos, primos e vizinhos. Para ele, a brincadeira era esta. Sempre que podia ele  também acompanhava seu pai que consertava os carros  dos vizinhos”, observa Edinea.

Curioso, Dário aprendeu muito por sua própria intuição. Aos 17 anos conseguiu um trabalho no bairro Grama, na Sede de Afonso Cláudio, com Revique Seibel . Houve um ano que ele retornou para ajudar a fazer a colheita do café da propriedade da família. Depois conseguiu uma vaga na oficina do Anatólio Koop, onde ficou por um bom período e, em seguida, trabalhou com um senhor conhecido como Baiano. Com ele, Dário atuou até a segunda gravidez da Edinea, com quem estava casado desde 1987.

Quando o patrão de Dário fechou a oficina o pai de Edinea ofereceu ao genro um galpão na chácara onde morava para ele montar uma oficina própria. Com algumas economias, Dário comprou alguns equipamentos, improvisou uma rampa e se instalou profissionalmente. “Sempre tivemos a ideia de passar a morar em Venda Nova”, conta Edinea sobre os sonhos que já povoavam a mente do casal.  Ela relata que esse desejo  foi compartilhado com as filhas. “Conversamos com as meninas, que tinham 11 e nove anos na época, pois não gostaria de fazer nada contra a vontade delas. Viemos em comum acordo”.

 

Modernização e amor aos antigos

Dentre os equipamentos mais modernos da oficina, um osciloscópio está entre as mais recentes aquisições. A tecnologia permite rastrear com mais rapidez os problemas nos carros, que atualmente contam com injeção eletrônica. A possibilidade de fazer o diagnóstico dos veículos com mais rapidez melhora o fluxo de clientes na oficina pois auxilia os serviços de maior rotatividade.

Fazendo um contraponto ao moderno, Dário é expert em carburação. O trabalho que exige sensibilidade, delicadeza, paciência e dedicação é cada vez menos comum nas oficinas atuais. Carros de modelos mais antigos e que geralmente são peças de grande estima dos donos precisam deste trabalho que podemos chamar de mais artesanal.

Além de colocar todos os seus sentidos para prestar este serviço, Dário ainda empresta seu talento para produzir algumas peças que estão fora da linha de produção comercial. Algumas não existem mais.

Dos aproximados 31 anos de oficina automotiva, 21 da atuação de Dário e família são em Venda Nova. Os empreendedores trabalham vencendo os desafios na área automotiva com os constantes modelos de carros, que consequentemente trazem necessidade de atualização.

Em meio a este cenário, o mecânico sonhador e primeiro idealizador da oficina mecânica continua empenhado na busca pelo o melhor para seus clientes. Com o reforço da esposa e da filha Aline na área administrativa, ele pode se dedicar (junto com a filha Alice) exclusivamente ao conhecimento técnico e a orientação da equipe operacional. Ele afirma que toda atenção é necessária, pois são vidas que os veículos conduzem. “A Mecânica Dário Falqueto é uma empresa pequena, mas sólida no mercado e esse crédito foi construído por     meio da transparência, profissionalismo e cuidado. Zelamos pelo veículo de nosso cliente com intuito de entregar o nosso melhor dentro das nossas possibilidades”, fala o patriarca.

Quem conhece de perto a história do empreendimento sabe que discorrer sobre a vida da empresa e da família é falar do companheirismo e dedicação de todos eles para que o projeto desse certo. “Muitas vezes a vontade foi desistir. Nestes momentos temos um ao outro para nos apoiar e então nos reerguemos e seguimos.  Nitidamente tivemos em nossa caminhada milagres acontecendo. Agradecemos a Deus por tudo”.

Para o casal, cada pessoa, comércio e instituição, que de alguma forma passou pela vida deles e que os ajudou, acolheu, confiou e acreditou, merece toda gratidão. “ Viver um dia de cada vez, agradecer sempre cada dia vivido e cada conquista, ter serenidade e dedicação ao trabalho, com foco no que quer realizar, e, ao final, saber da satisfação do cliente que nos confia seu veículo, é gratificante”, concorda toda família.

 

 

 

Coragem e incentivo à filha

Com poucas economias no bolso, a união da família fez muita diferença na luta para conquistar um espaço na terra onde cresceu o avô de Dário. A família alugou um local e uma casa e, depois de muitas dificuldades, com muita dedicação, fé e persistência, conseguiram comprar um lote.  O passo seguinte foi fazer a base e erguer a estrutura do prédio comercial/residencial.

A família passou então a morar de forma improvisada na sobreloja da própria oficina para continuar a erguer estrutura para abrigar a casa e a Mecânica Dário Falqueto. “Adversidades vieram nesta nova fase: um imprevisto financeiro considerável para quem é pequeno empreendedor e problemas de saúde na família.  Não foi e nem está sendo fácil, porém aos poucos tornamos possível”, relata a empreendedora, que não desanimou de seus sonhos de fazer prosperar o negócio da família.

 

A vocação de Alice

O ambiente familiar acolhedor e o talento nato de Dário Falqueto, por certo, deixaram frutos. É o que podemos concluir ao conhecer a história dele e da esposa Edinea e ao constatar as habilidades da filha Alice, 30 anos, que há nove trabalha ao lado do pai.

A moça loira e alta quis atuar na oficina e o pai topou abrir um espaço para ela fazer um estágio no período vespertino, já que ela trabalhava no comércio pela manhã e fazia pedagogia à noite. Ao perceber que este era o seu caminho, Alice foi fazer o curso de mecânica industrial em Vitória.

Depois de concluir o técnico ela espalhou currículo por toda parte e percebeu que o lugar dela era ao lado do pai, na oficina em Venda Nova. A partir de então a rotina dela passou a ser acordar cedo, colocar o uniforme e ir para o trabalho.

É muito comum chegar lá e encontra-la debaixo de algum carro, resolvendo algum problema de motor. Solucionar problemas com freio, suspensão, carburador e injeção é com ela mesma, que concilia sua profissão atípica para mulheres com os cuidados com a saúde, que se revela frágil em alguns momentos.

Edinea se desdobra para acompanhar a filha nos tratamentos médicos, cuidar da família de maneira geral e ser responsável pela parte burocrática da oficina. Sua filha Aline, que é assistente social e funcionária pública federal,  atua em Vitória e divide sua semana em trabalhar na capital e, no contraturno, apoiar a família na gestão da oficina em Venda Nova. Ela instalou residência no prédio da família com seu marido Alan (que passou a trabalhar com a família na oficina) e seu filho Ângelo, de quatro anos.

Como gosta de afirmar a matriarca, cada um tem a sua função e comprometimento. “Alan veio para agregar e trazer novas ideias e investimentos. Apesar das limitações de estarmos na categoria de pequeno empreendedor, temos nos dedicado aos estudos para aprimorar cada vez mais nosso trabalho’’.

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