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A cooperação que fortalece os cafés especiais

A cooperação que fortalece os cafés especiais

Num movimento não institucionalizado, vários atores da cadeia colaboram entre si e, trabalhando em rede, fazem prosperar a produção dos peculiares cafés de microlotes

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Lucas e Aldemar são professores, pesquisadores e extensionistas do Ifes Venda Nova
e ambos possuem uma carga horária de aula envolvendo o ensino médio, a graduação
e a pós-graduação. Contudo, o professor Lucas Louzada tem se dedicado a pesquisa
com maior ênfase, enquanto o professor Aldemar tem uma dedicação mais centrada
na extensão, numa relação direta com o produtor rural. Essa relação tem sido
promissora pois são complementares.

Cafés que têm alguma particularidade em sua produção captada na análise sensorial e que os diferenciam dos demais. De tão peculiares, esses cafés só surgem em microlotes - porções superexclusivas e limitadas, de procedências especiais - e têm consumidores ávidos em degustá-los. A oportunidade está posta pelo mercado e a cooperação de múltiplos atores tem feito de Venda Nova e região um polo de produção de produtos, de experiências e de conhecimento.

A noção de microlotes surgiu quando se notou que os frutos nascidos em algumas áreas de suas terras apresentavam um “algo a mais” em relação aos demais. Seu aspecto atraente, sua maior concentração de açúcares e seu nível excepcional de maturação levam a crer que esse café desenvolve uma enorme complexidade de aromas e sabores. Se esse caráter especial for confirmado, por meio de análises sensoriais, em uma quantidade muito pequena de grãos, esses cafés podem ser considerados microlotes.

Se os cafés categoria especial já trazem ao apreciador algo diferenciado em termos de aromas e sabores, os microlotes  levam a experiência gustativa a novos patamares, sendo um verdadeiro deleite para quem ama a bebida. Nesse ponto podemos concluir que  mais do que um alimento, estamos falando de uma experiência sensorial que está sendo oferecida em cafeterias especializadas em diferentes partes do mundo.

E algo de novo está acontecendo por aqui, gerando um movimento capaz de influenciar diferentes rincões do Brasil. As lavouras da região- ao estarem em terrenos de grandes altitudes e declives, sombreadas pelas matas ou com diferentes índices de exposição ao sol- são ricas em cafés tardios, os de maturação lenta, apresentando diferenciais de pequenos em pequenos lotes. Mas como não deixar escapar e ainda potencializar esses atributos? E ainda, como reconhecê-los para ter argumentos de venda e assim gerar melhor remuneração?

 

Um novo movimento

Um movimento cujas as bases são formadas pelos produtores, pelo Laboratório de Análise e Pesquisa em Café- Lapc do Ifes- Campus Venda Nova do Imigrante e o aporte do Sicoob Sul-Serrano, além dos alunos egressos do Ifes, está fazendo com que os cafés especiais da Região Serrana sejam reconhecidos no mercado nacional e interna-cional. É a união do capital privado de uma cooperativa, dos conhecimentos gerados pelo meio acadêmico e a disposição dos produtores em ceder matéria-prima para o estudo. Amarrando esse tripé vêm as lideranças jovens de famílias rurais (egressas das salas de aulas do Ifes ou dos cursos temporários) que estão investindo e somando em     suas práticas todos os conhecimentos adquiridos.

Se os atributos dos cafés especiais são um presente da natureza potencializados pelo trabalho caprichoso no pós-colheita, a atuação do Lapc entra para proporcionar as análises sensoriais que atesta esses valores. Mais do que isso, proporciona cursos para estimular o empreendedorismo das famílias rurais, seja qualificando os filhos de produtores (alunos do Ifes), seja abrindo as portas do conhecimento para todas as famílias cafeicultoras, proprietária ou não de terra.

Com uma proposta de dialogar com a comunidade (nesse caso especificamente com as famílias rurais) e também com o mercado (provadores, mercado internacional), o Lapc faz parcerias com outros centros acadêmicos para construir conhecimentos, como revolução dos processos de fermentação, o que está fazendo o Ifes- Campus Venda Nova do Imigrante uma referência no assunto no Brasil.  

 

Fermentação

Embora a origem dos cafés de microlote esteja na terra, a natureza não carrega sozinha toda a responsabilidade da qualidade desses frutos especiais que pode ser perdida ou ressaltada pelo trabalho humano no pós-colheita. Um exemplo da influência do homem é a escolha pelo processo natural (via seca), em que os grãos, colhidos à mão no seu ponto máximo de maturação, são secos lentamente ao sol e em sua casca, dando origem a uma bebida mais doce e encorpada.

Para se obter cafés especiais é fundamental associar fatores de manejo, variedade, nutrição, manutenção da lavoura e todo o processo pós-colheita, além de execução de torra e análise sensorial.

Ultimamente a fermentação tem sido um tema recorrente nas casas dos produtores, grupos de WhatsApp, redes sociais e publicações especializadas, conforme atesta o professor Lucas Louzada, que trabalha com uma equipe de seis Qgrades certificados no Lapc, especializado em fermentação de café, dentre outros cuidados no pós-colheita. Ele, que tem dezenas de trabalhos publicados- dentre eles um recente na Nature, que trata da influência da microbiota:  bactérias e fungos presentes no solo, nos frutos do café arábica-, fala dos cuidados que se devem tomar para adotar processos de fermentação.

“Se o produtor não conhece o perfil sensorial do seu café não faça interferências sem acompanhamento técnico. É muito importante ter um profissional capacitado para acompanhar o processo a ser desenvolvido”, ressalta.

Segundo Louzada, todo café passa pela fermentação, seja na planta ou no decurso da planta até a unidade de pós-colheita, na secagem. “Se ele estudar e começar a testar técnicas em escalas menores tem a chance de encontrar uma forma de polir o café e, ai sim, aumentar o volume e a oferta de cafés especiais”.

Louzada diz que deve-se  ter cuidado com essa febre de fermentação com frutas, pois não há comprovação de resultados. “Em muitos casos só aumenta os custos, altera a microbiota natural do café, dando uma competição no mosto, e, mais importante, coloca em risco a segurança alimentar. Antes de sair colocando laranja e outras frutas, leia, converse com os pesquisadores e procure um polo científico para se informar tecnicamente sobre o assunto”, aconselha.

De acordo com ele, não adianta colocar melado de cana para aumentar o teor de açúcar na fermentação, acelerar o processo ou melhorar a condição do café. “É importante entender que existem processos bioquímicos que acontecem dentro do mosto de fermentação. Não existe equação mais açúcar mais sabor, pois esse material vai ser consumido no processo de fermentação pelas bactérias e leveduras presentes e produzir compostos secundários ao mosto e não necessariamente ao café”. 

Dentro da lógica de que a fermentação para alterar a estrutura do fruto precisa ser muito bem pensada, deve-se observar a condição de cada região.  Por exemplo, a produção em região de altitude elevada, com o clima muito ameno, de colheita tardia, não há necessidade de intervenção drástica para fermentação alcoólica. Antes de fazer esse tipo de intervenção, Louzada pede que o produtor ainda reflita se  existe comprador que pagará por esse café.

“O retrabalho que vai ter garante o retorno sobre esse investimento? Acima de tudo, é preciso responsabilidade com o que se está se produzindo:  fermentação é um processo complexo de interação dos micro-organismos com a matéria-prima disponível. Aí entra a segurança alimentar, pois se o processo for mal conduzido pode gerar micotoxinas maléficas à saúde”, ressalta Louzada.

De acordo com Louzada, as experiências demonstram que, no café arábica ou no conilon, quando se produz numa região com notas acima de 86, não há necessidade de intervenção drástica com levedura ou com uma bactéria. “Se está no terroir desfavorável para produção de cafés acima de 80 pontos, um processo anaeróbico com inoculação de bactérias e leveduras pode auxiliar. E até mesmo uma fermentação espontânea com redução da disponibilidade de oxigênio, pois se o café estiver fermentando em ambiente aeróbico ou misto, os micro-organismos (alguns deles) são facultativos e podem optar por reproduzirem e se multiplicarem e não por fermentarem e quebrarem os compostos ali  disponíveis, gerando novas rotas metabólicas e entregarem assim novos perfis sensoriais”.

Nesse sentido, Lucas Louzada aconselha o cafeicultor a ler, estudar, e conversar para que compreenda se o perfil de sua produção precisa de tal interferência no processo de pós-colheita. Caso chegue à conclusão que a fermentação vai agregar de forma positiva, precisa muita assepsia em todo processo, como higienizar todos os ambientes e instrumentos de trabalho. “Não existem milagres ou soluções prontas que tiram o café abaixo de 80 para beber 92. Se alguém ou algum processo simples ofereça facilidades, desconfie”, conclui.

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