FAMÍLIA SOSSAI - O legado de Amélia Sossai: os três filhos
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Por Amélia Sossai, a sétima filha de Jerônimo, ter partido ainda tão jovem e seus contemporâneos já estarem falecidos é uma missão quase impossível trazer à tona a história da mãe de Celso Zandonadi, Dom Décio Zandonadi e Edviges Zandonadi. Amélia se casou com Máximo Zandonadi, perdeu a primeira filha chamada Edviges e teve mais três filhos. Ela homenageou a primogênita repetindo seu nome na filha mais nova e faleceu naquele que seria seu quinto parto.
Celso tinha três anos e meio quando sua mãe faleceu, Dom Décio um ano a menos e Edviges era um bebê de um ano e meio. Mesmo com o casamento de Máximo com Martha Altoé a relação deles com a família da mãe foi mantida. Dessa convivência, foram construídas as memórias das experiências vividas, enriquecidas pelas histórias contadas pelos avós, tios e tias.
Dom Décio ouviu contar, por exemplo, o quanto o avô Jerônimo vigiava as filhas no namoro. Na mesma época as quatro filhas namoravam: Amélia (Máximo), Júlia (José Cipriano Filho, o Bonfim), Maria (Elizeu Caliman) e Justina (Domingos Caliman). “Seu Jerônimo ficava no meio de todos na sala”. Ele também reproduz outra história: a família não deixava seu avô consumir os ovos à vontade, pois acredita que fazia mal para uma pessoa idosa. Então ele cozinhava o ovo, colocava no bolso e o comia durante o trajeto de sua casa até a igreja. “Meu avô só andava de paletó e era baixinho”.
Os filhos de Amélia sempre encontravam com o avô Jerônimo na igreja, aos domingos, e os netos também faziam visitas, principalmente quando nascia uma criança na família. E nascia muita, reconhece Dom Décio. Eles têm lembranças da convivência com a avó Ana Carolina Minet e com o tio Júlio, pois a avó Rosa Caliman (mãe de Máximo) se encarregava de levá-los nessas ocasiões.
Nessas visitas, eles brincavam com os primos (os filhos do Júlio e do Angelim), comiam biscoitos e o famoso comarê, uma espécie de canja, preparada no puerpério das mulheres e que todos acabavam experimentando, principalmente as comadres e as crianças. “Minha tia Elena, que sempre nos chamava para almoçar, dizia: 'vieni para mi', sempre seguida de uma promessa de nos dar uma balinha”.
Era uma grande alegria visitar os avós, tios e primos na Tapera. Eles iam a pé, passando por uma estrada na mata, depois passava pela igreja e pelos Minete, para chegar no Angelim. Tinha também uma passagem pelo Elizeu Caliman que vazava direto na Tapera, mais especificamente nos Sossai.
A abundância de alimentos, como inhame cozido, polenta, linguiça e frutas, como caqui, abacate, manga, pera e outras, conforme a época, fazia parte da alegria dos encontros entre primos. Os irmãos iam descalço e Dom Décio se lembra que, às vezes, usava um tamanco de madeira todo fechado na frente com couro de boi. “Era muito duro e era melhor ir descalço em longas caminhadas”.
Dentre as brincadeiras, os três irmãos se recordam de escorregarem no morro usando uma tábua e de brincarem de pique esconde. “Também íamos no mato tirar palmito para fazer gangorra”.
Quando Máximo se casou novamente, Dom Décio tinha de quatro para cinco anos de idade. Celso tinha seis e Edviges, três. “Ela veio e colocou órdem”, disse em tom de brincadeira. E mais irmãos foram chegando: Renato, Clóves (o Kói), João Fábio, José Rubens e Marta Amélia. Na época, o berço era uma espécie de caixote de madeira com a base em forma de meia lua, próprio para ninar os bebês. “Eu deitava embaixo e balançava o Renato. O Kói chorava demais”, se recorda Dom Décio.
Os três filhos de Amélia Sossai cresceram fazendo arte, como a maioria das crianças de sua época. O Celso foi considerado o mais arteiro, pois se juntava com o amigo e primo Anselmo Zandonade para aprontar por toda Vila Betânea. Uma vez os dois irmãos subiram na tulha do hospital e, quando Edviges subiu, retiram a escada deixando a menina lá sozinha. A madrasta Martha escutou seus pedidos de resgate e a socorreu.
Nesta época em volta da casa tinha pasto, onde as galinhas faziam ninhos e botavam ovos. Eles contam que prendiam as galinhas que, quando soltas, iam direto para o ninho. Uma certa vez, Celso e Décio brigavam para fazer o ritual, quando cada um ficou com uma galinha. As duas foram para o mesmo lugar e eles descobriram uma ninhada grande cheia de ovos.
O filho mais velho
Celso saiu para estudar na mesma época que Dom Décio, mas voltou no final do ano para ajudar o pai. Não demorou muito para ele retomar os estudos. Foi para a Fazenda do Centro, em Castelo, depois para Ribeirão Preto e Franca/SP, onde fez o noviçado. Ele chegou a vestir batina, mas resolveu retornar para Venda Nova ao reconhecer que não tinha vocação para ser padre.
A partir de então, Celso passou a se dedicar de vez à propriedade, em especial ao cultivo de café. Numa ocasião ele visualizou uma reta, começando mais ou menos das proximidades de sua casa, e foi estacando a cada 50 metros, dando direcionamento ao caminho que se tornaria a avenida Lorenzo Zandonadi, a principal de Vila Betânea. Suas marcações sugeriram uma via de 12 metros de largura.
Antes dessa abertura da avenida, para sair de Lavrinhas e chegar onde é a atual rodovia, era preciso passar por uma estradinha estreita que entrava pelo lado direito e fazia ziguezagues para escapar dos alagados.
Máximo era muito ligado a então Cooperativa e deixava Celso à frente das iniciativas da família. Celso então, além de medir com bambu e fazer os estacamentos, se encarregou de começar abrir a reta aos poucos com o trator da família. Padre Cleto gostou do que viu e disse então: “Essa vai ser a avenida principal”. O religioso conseguiu máquina do Estado para terminar o feito e asfalto, da via federal, que foi colocado na parte central da pista.
Dom Décio
Aos nove anos Dom Décio saiu para estudar no seminário em Jaciguá, onde ficou durante seis anos. Em 1960, entrou para a Congregação Salesiana; foi para São João Del Rei, Minas Gerais, para concluir o científico, e depois fez faculdade de filosofia e de letras em Belo Horizonte. Na sequência, entre 1965 e 1970, foi fazer teologia em Córdoba, na Argentina, onde ficou durante quatro anos.
Naquele país, a escola onde ficava em tempo integral era vizinha do 3º Exército, na qual Lamurce era comandante. A Argentina também estava sob uma ditadura militar e Lamurce chegou à presidência. “Os militares começaram a criar problemas, pois a estrada passava no terreno deles e eles nos fiscalizavam muito, pois na época surgiram os Montoneros, um grupo guerrilheiro argentino que lutou contra a ditadura do país”.
Ele foi ordenado sacerdote em 16 de dezembro de 1972, em sua cidade natal. Antes do episcopado, foi diretor do Seminário de Jaciguá (ES), auxiliar do Noviciado Salesiano de Barbacena (MG) e inspetor da Inspetoria São João Bosco (MG), que abrange as obras Salesianas do Distrito Federal e dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Rio de Janeiro. Em 1991, tornou-se diretor do Sistema Salesiano de Vídeo-Comunicação.
Em 11 de dezembro de 1996, Dom Décio foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e sua sagração episcopal aconteceu no dia 2 de fevereiro de 1997. Seu lema é “Domine, ut videam” (do latim: “Senhor, que eu veja”). O Papa João Paulo II o transferiu para a Diocese de Colatina no dia 14 de maio de 2003. No dia 6 de julho daquele ano, o então arcebispo de Vitória, Dom Silvestre Luiz Scandian, empossou-o como bispo da Diocese de Colatina.
Em 11 anos de trabalho, Dom Décio apoiou a criação de oito novas paróquias e a valorização do Santuário Diocesano Nossa Senhora da Saúde, que fica em Ibiraçu. Em 2007, o Papa Bento XVI aprovou o pedido feito por Dom Décio e elevou Nossa Senhora da Saúde a padroeira da Diocese de Colatina. Dom Décio também trabalhou para intensificar a atuação das pastorais sociais, bem como das comunidades eclesiais.
Devido a ter passado por uma ponte de safena, aos 73 anos, ele pediu renúncia ao Papa Francisco, que aceitou, tornando-o bispo emérito no dia 14 de maio de 2014. Em 27 de setembro de 2015, ele assumiu a reitoria do Santuário Diocesano Nossa Senhora da Saúde, cargo que ocupou até julho de 2022. Atualmente, Dom Décio reside em Ibiraçu (ES), apoia pastoralmente o santuário e prega retiros espirituais por todo o Brasil.
A irmã mais nova
Aos 11 anos de idade Edviges foi para um orfanato Salesiano, em Campos, Rio de Janeiro, ficar com mais 120 crianças. Ela conta que o pai a deixou lá porque ia para um congresso e ela ficou lá durante 12 anos, indo em seguida para os Agostinianos, em Vitória, por ser mais perto da família. Na sequência, Edviges foi para Cachoeiro de Itapemirim, chegou a ser freira, mas largou a irmandade, voltando a morar em Venda Nova.