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FAMÍLIA SOSSAI - Justina herdou a tranquilidade do pai Jerônimo

FAMÍLIA SOSSAI - Justina herdou a tranquilidade do pai Jerônimo

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Na publicação do Jornal Folha da Terra, datado de 17 de outubro de 1997, o saudoso padre Cleto Caliman fez uma homenagem à sua cunhada Justina Sossai Caliman, falecida poucos dias antes. O texto foi ilustrado com uma foto, na qual os traços de uma mulher doce e corajosa estavam nítidos. Por ironia, ela segurava uma arma, momento fruto de uma brincadeira familiar. Com o bom humor característico da família, seus filhos falam que se tratou de um momento muito peculiar. “Minha mãe sempre foi uma pessoa extremamente carinhosa e tranquila”, assim afirma Nádia, sua filha mais nova, sobre a mulher que nasceu na comunidade da Tapera.

Os netos contam que o nonno Jerônimo Sossai ficou viúvo quando Justina tinha oito anos e ele cuidou dos filhos sozinho. Ele não se casou novamente e, com toda calma e tranquilidade, educou os filhos sem bater, apenas os conquistando com a conversa. 

Das histórias do braço da família na Tapera, os irmãos Sossai Caliman contam que Carolina Minete, uma das quatro irmãs de Justina, foi mãe solteira de uma menina com necessidades espe-ciais, fruto de um romance com um caixeiro viajante, ou mascate, que não assumira a paternidade.

Justina, sétima das nove mulheres e nonna dos 12 filhos de Jerônimo Sossai, se casou com Domingos Caliman em janeiro de 1940 e, em novembro daquele mesmo ano, deu a luz ao primeiro filho. O primeiro parto, do total de 17 que tivera, foi feito pela sogra, a nonna Marieta Carnielli Caliman.  Ela viu 16 filhos chegarem à idade adulta, já que o 14º faleceu com um mês de vida.

Tanto Nádia quanto Dedé Caliman falam de uma mulher à frente de seu tempo, sem preconceitos e com o coração aberto para o novo e o diferente. Assim ela foi com as noras e genros, dos quais vários são de outras etnias, culturas e até países. “Ela era sábia e sabia conviver bem com as diferenças. Também não tinha o hábito de falar mal das pessoas, embora adorasse conversar”.

Outro exemplo de Justina é a união com a qual conviveu com seus irmãos, apesar da convivência pontuada pelos encontros na igreja. Seus filhos concluem que suas raras aparições se deram pelas gravidezes sucessivas, já que depois de quatro meses de gestação as mulheres se resguardavam mais em casa, só voltando à igreja para batizar o bebê. “Lembro de muitas vezes escutar minha mãe dizer que estava sentindo 'dores nas cadeiras'. Creio que na maioria do tempo estava grávida”.

Amorosa, uma das formas de demonstrar o sentimento aos filhos e, mais tarde, aos netos, era fazer e oferecer pães e bolinhos. De forma especial, no dia de Ano Novo, fazia os pães em formato de bichinho e colocava-os junto com balinhas embaixo da cama das crianças. Era uma forma de dar carinho e boas-vindas. Seus filhos se lembram que na época o trigo era algo raro e que o ano demorava acabar, pois o tempo passava devagar para chegar a este dia especial.

Também fazia parte dos hábitos da casa, assim como na maioria das famílias, destinar as compotas e biscoitos para as visitas, principalmente para os padres. A moqueca, por mais inusitado que pareça, era um dos pratos especiais que ela preparava com qualquer peixe de rio, como o bagre e a traíra. Justina aprendeu a receita com uma professora que ficava hospedada na casa dos pais dela. “Minha mãe não gostava de cozinha e mesmo assim sabia fazer de tudo. Usava temperos simples, os comuns da horta”.

Justina também costurava todas as roupas usadas pelos filhos: vestidinhos, shortinhos, blusas... E toda Festa de São Pedro as meninas ganhavam vestido novo. Eram modelos com babados, feitos com os tecidos comprados em fardos dos mascastes. Sua filha Aloida se lembra que esperava com ansiedade o dia da Festa de São Pedro, pois adorava exibir o vestidinho novo e com babados. Marta se lembra dos lacinhos que ela fazia para as meninas colocarem nos cabelos, que eram cortados por ela. “Ela gostava de ver os filhos bem arrumados”, recorda-se.

Durante muitos anos as compras para a família eram feitas na loja da Cooperativa, que funcionava em Lavrinhas, perto da casa de Justina e Domingos, e oferecia este serviço aos associados. Geralmente feitas em época da venda do café, as compras abasteciam a família com sal, açúcar branco, querosene, tecidos, ferramentas, utensílios e outros, durante o ano inteiro.

Devido ao grande número de filhos, a atenção de Justina se traduzia em cuidados, ensinamentos e ações carinhosas em momentos de mais fragilidade. Como quando um deles estava passando mal e ela preparava um chá, que era servido com um cafuné. Nádia revela que muitas vezes fingia estar sentindo uma dor de barriga para ganhar mais atenção e um chá bem docinho.

Justina manteve os mesmos hábitos das orações que aprendeu em seu núcleo familiar na Tapera, assim como o costume de deixar aceso o fogão do amanhecer ao anoitecer. Sempre tinha algo em cima da trempe, nem que fosse uma chaleira d'água no ponto de fazer um café.

Como nunca conseguiu amamentar, Justina alimentou seus bebês com leite de vaca. Para vencer as noites frias, muito comuns e frequentes antigamente, ela deixava disponível um fogareiro sobre um tripé pequeno. Com álcool, ela acendia o fogo para esquentar o leite já fervido e alimentar o mais rápido possível a criança, que não saberia esperar todo o tempo que o ritual de acender um fogão a lenha requer.

Quando os netos chegaram, a faceta amorosa de Justina se potencializou. Para que as netas participassem do preparo dos alimentos, ela colocava um banquinho perto do fogão, assim elas visualizavam e entendiam melhor suas explicações. Suas netas Gabriela (filha de Carminha) e Isabela (filha de Dedé) se lembram desses momentos.

A neta Isabela, que sempre morou na casa ao lado, teve uma convivência diária com ela. Já Gabriela contava os dias para as férias chegarem a ir aprender coisas novas com a vovó. “Ela deixava a gente ajudar a fazer tudo: arrumar a casa, colocar as roupas para quarar na grama, cuidar da horta e dos porcos. Sempre nos orientando”.

 Ela também tinha o hábito de esfriar o café para os netos adicionando água, assim ficava mais ralo e, no seu ponto de vista, menos prejudicial às crianças. Era uma verdadeira demonstração de paciência, pois as atividades na cozinha se somavam aos trabalhos na roça.

Quando Domingos Caliman faleceu, sua filha Dolores saiu de Vitória e foi passar uns dias com ela levando consigo seu filho Renzo, de 45 dias. Justina dormiu 40 noites com o recém-nascido  e disse na época que a criança estava preenchendo o vazio deixado pelo falecido esposo, chegando a pedir que a filha deixasse o bebê para ela cuidar.

Todo o amor e a tranquilidade ao cuidar têm o reconhecimento dos filhos e dos netos. Também é unanimidade sua religiosidade, sua fé e sua sabedoria, características que, por certo, formavam a base de uma pessoa tão acolhedora, equilibrada e aberta ao novo.

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