FAMÍLIA SOSSAI - Pedro Sossai, um líder de comunidade
O patriarca era mestre em fazer caixões e em produzir fumo de rolo
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Filha de Pedro Sossai e uma das netas de Jerônimo, Analete Sossai Zandonadi traz outra faceta de sua família, em especial de seu pai, que depois de casado com Olívia Sansão foi morar em São João de Viçosa. Ele tinha muitas habilidades: cortava cabelo, castrava porco, fazia fumo de rolo, cozinhava na canônica quando tinha visita dos padres, recolhias as esmolas durante a missa, era pedreiro, carpinteiro e ainda aplicava injeções nas pessoas que necessitavam. “Só ele tinha uma caminhonete e sempre levava os doentes para Conceição do Castelo ou para Castelo. Meu pai era chamado para tudo”, se recorda Analete.
Os caixões ou 'as esfriadeiras”
Uma habilidade, em particular, o diferenciava das demais pessoas da comunidade: ele fazia os caixões. Não era um serviço que o ocupava muito, pois a comunidade era pequena e com baixa frequência de morte (duas ou três, no máximo, ao ano) fazia da atividade apenas um extra. “As vezes a gente estava trabalhando na roça e chegava alguém para avisar sobre alguma morte. E meu pai então dizia: 'Minhas filhas, vou fazer mais uma esfriadeira'. E meu pai largava tudo para poder entregar o caixão pronto a tempo.”
Os caixões eram feitos com a ma-deira retirada da mata. Para facilitar o processo, ele sempre tinha tábuas cortadas e secas, prontas para o uso. “Meu pai escolhia a madeira, acompanhava o serviço na serralheira, pois também era serrador, e depois as deixava guardadas. Ele usava as madeiras mais leves e o tamanho da peça variava conforme a medida levada pelo familiar.”
Na maioria das vezes cabia às filhas de Pedro forrar por dentro os caixões com um tecido próprio. Geralmente usava-se o branco para as crianças e o preto e o roxo para os adultos, sendo a última cor a mais comumente usada. “Acontecia de meu pai forrar também. Os tecidos eram pregados com tachinhas na beirada interna do caixão”.
O fumo de rolo
Ele mantinha um plantio de tabaco para fazer fumo e separava um pedaço da roça especialmente para esta cultura. Os filhos ajudavam em todo o processo: nos cuidados com a lavoura, na colheita das folhas, na secagem e também na hora de enrolar. “Nenhuma de nós fumávamos. Já o meu pai vendia e fumava também. Gostava de um rapé, que ele mesmo fazia: rapava, colocava em um vidrinho e durante o dia ia colocando na narina... Andava direto com o vidrinho no bolso”.
Analete conta que as folhas recém- colhidas eram jogadas em cima das varas, que funcionava como uma espécie de varal. Dispostas em forma de prateleiras, essas varas eram colocadas na sombra para desidratar até as folhas atingirem o ponto ideal para serem enroladas e formar uma corda. “Tinha uma maquininha, uma espécie de catraca, que nos ajudava e enrolávamos as cordas de fumo de uma forma frouxa entorno de um pau. A gente não podia apertar porque se as cordas ficassem muito encostadas impossibilitaria o arejamento. Além desse cuidado para não mofar, os rolos passavam por um processo de cura, indo para o sol durante o dia- sempre mudando de posição- e sendo guardados a noite. Durante o dia, o fumo suava e soltava um melado, que a gente não deixava pingar, pois íamos virando a peça e esse caldo que voltava ia deixando o fumo cada vez mais com a cor escura”.
Meio médico
Com a falta de recursos e de atendimentos de diversas natureza, Pedro Sossai também aprendeu a tratar as vítimas de mordida de cobra. Essa necessidade foi percebida principalmente depois que Edson Altoé, o menino da comunidade de São João, perdeu um braço devido à mordida do réptil.
Uma missionária o ensinou bater bem o broto de banana prata, tirar o sumo e a cica, e dar para a vítima beber e também preparar um banho. “Antigamente tinha muita jararaca. Eu sou testemunha de quando o meu irmão Jairo, que já estava começando a sangrar na gengiva e apresentar hemorragias pelo corpo, foi tratado pelo pai e se curou. Meu pai tinha esse lado meio médico”.
Pedro mantinha agulhas e seringas esterilizadas fervidas na água e recebia as pessoas na casa dele. A maioria chegava com o medicamento para que ele aplicasse a injeção. Quando se tratava de alguém acamado, ele ia até a casa da pessoa, conforme muitas vezes testemunharam a filha Analete e as outras irmãs. “Ele ia muito até Santa Luzia, um percurso que fazia em 15 minutos a cavalo. Depois que completei 17 anos passei a acompanhá-lo”.
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O pedreiro
Como pedreiro, Pedro ergueu casas usando técnicas de alvenaria e de carpintaria. “Ele fez as casas de todos os filhos quando se casaram e contava sempre com a ajuda de algum vizinho. Tudo era feito no tempo dele, pois cuidava da roça de café, de milho, de feijão e de outras culturas. Ele não parava”.
Os bailes com as filhas
Apreciador de uma dança de forró, ele levava as filhas para os encontros dançantes nas casas das famílias. “Os bailes começavam por volta das 19 horas e ia até meia noite, sendo que algumas vezes acontecia de terminar às 1 ou 2 horas da madrugada. Geralmente às 23 horas, ele nos levava todas para casa”.
Analete conta que não se podia recusar uma dança quando era convidada a dançar, dar o famoso 'caroço'. E foi num desses bailes que ela começou a namorar Evaldo Zandonadi. Na ocasião os jovens solteiros tinham como oportunidade de encontros os bailes, as missas ou as partidas de futebol. “Eu ensinei ele a dançar, pois dançar era uma forma de ficar perto. A gente só podia ficar no salão, diante dos olhos de nossos pais. Eu dançava muito com meu pai também”. Dentre os sanfoneiros, ela se lembra de Arcelino Spadeto e Antônio Morete.
As dotas
Todas as moças ganhavam um enxoval para quando se casassem. Os lençóis, toalhas, panos de pratos e outras peças eram levadas dentro de um baú de madeira e assim foi para as oito filhas. Para os homens, a casa e as diferentes terras que faziam parte das posses das famílias. Mais adiante, era costume, pelo menos na família de Pedro Sossai, que as filhas ganhassem algum dinheiro.
“As peças iam sendo feitas e colocadas dentro do baú, que ia cheio para o novo lar. Minha mãe não bordava, mas nós, as filhas, fazíamos muitos bordados. Minha irmã Aurora fazia bordados na máquina, o que resultava em peças consideradas mais chiques na época. Eram peças bem trabalhadas também, mesmo sendo feitas na máquina, e o bordado aberto está entre os exemplos. Analete se casou no dia 19 de fevereiro de 1966, às 6 horas da manhã, na Fazenda do Centro, Castelo.
Corte de cabelo
Pedro Sossai, um homem considerado bom e também severo, como o seu pai Jerônimo. Ele era gentil com as pessoas de várias formas. Dono de uma maquininha manual de cortar cabelo, ele costumada dedicar horas de sua vida para prestar gratuitamente esse serviço. “As pessoas iam em nossa casa aos sábados e meu pai fazia tudo de graça. Meu pai costumava fazer nos homens um modelo de topete parecido com o que o jogador Ronaldo usou uma vez. Como prestava o serviço de maneira improvisada, usava os bancos e cadeiras comuns como assento”.