FAMÍLIA SOSSAI - A tesoura da parteira Elena Caliman Sossai
As cartas entre Maria Helena e Saulo Ribeiro do Val em busca do 'tesouro escondido’
![]() |
Na época do lançamento do livro “O Tesouro Escondido”, de autoria de Benjamim Falchetto, meu pai, foi lançado um outro, o de título “Um Homem Chamado Ângelo”. Neste segundo, que contém dados estatísticos dos estudantes universitários de nosso município, consta que o primeiro médico de Venda Nova foi Aloísio Falqueto, meu irmão.
Quando soube, Aloísio soltou um riso e disse: “O primeiro médico de Venda Nova é o Dr. Saulo Ribeiro do Val. Ele me disse que nasceu aqui em Venda Nova pelas mãos da nonna Elena Caliman Sossai e está com ele a tesoura que ela usou quando ele nasceu”.
No dia 24 de maio de 2017, ocasião que comemoramos os 94 anos da tia Maria Eliza Sossai Falqueto, eu tive a oportunidade de perguntar se ela se lembrava daquela tesoura que a nonna Elena usava para fazer os partos. “Claro! Ela me deu, está com o Dr. Saulo! Ele me pediu emprestado, mas vou pedir ela de volta', me relatou na época.
Pouco tempo depois nossa querida parteira faleceu e, em nome da família, fiz uma correspondência ao Dr. Saulo, datada de 4 de agosto de 2017, para me certificar destes fatos, dizendo a ele que, caso fosse positivo, que gostaríamos de ter essa tesoura no acervo do museu dos nossos imigrantes, onde podemos registrar estes fatos de maneira correta.
No dia 14 de agosto de 2017, Dr. Saulo preparou uma correspondência na dizendo ter recebido com surpresa e alegria um exemplar do livro “O Tesouro Escondido”, com uma dedicatória personalizada. Ele escreveu um agradecimento ao meu pai e anexou à correspondência, solicitando que lhe fosse entregue.
Ele então me informou que a carta que eu lhe enviara, levou a ele o conhecimento do nome verdadeiro de “Nonna Sossai”, Elena Caliman Sossai, reconhecendo que ela atuou de maneira eficaz em seu nascimento, ajudada por Annita Cola Perim, nos idos de 1932.
Ele também esclareceu que em torno de 1960/1961, já tinha se mudado para Vitória, onde exerce a profissão dele. Disse ainda que fez uma visita a Castelo, onde esteve com Annita Cola Perim na loja de Ângelo Perim, que ficava na mesma avenida da Farmácia Central do pai dele. No encontro, eles falaram sobre esta tesoura e ele, como obstetra, manifestou interesse de tê-la em mãos. Anita disse a ele que ia tentar obtê-la com a família.
Saulo afirmou que nunca teve a “tesoura” em seu poder e o tempo passou sem recebê-la sob os seus cuidados. E ele encerrou dizendo: “Lamento informar que “o tesouro vai continuar escondido”, quem sabe não estaria sob os cuidados da família de Dona Annita. Faço votos de que a procura seja continuada”.
Maria Helena Falchetto
* Na simpática correspondência que Saulo Ribeiro do Val enviou para Benjamim Falchetto ele falou da surpresa e alegria de ter recebido o livro “Tesouro Escondido”, dizendo que o tinha lido naquele último fim de semana, o que o fez recordar de fatos e de gente da nossa Venda Nova, sua terra natal.
As viagens com a sua mulinha 'Completa’
Elena Caliman Sossai foi uma mulher solidária em um tempo de muitas dificuldades. Sua neta Elena Sossai Altoé deixou como legado várias anotações sobre a parteira que nasceu e veio da Itália casada com Pedro Noé Sossai e com vários filhos.
Sempre acompanhada em suas incursões para fazer os partos, Elena saia sob sua mulinha de nome 'Completa'. Na maioria das vezes, o neto Angelim a acompanhava. Mas, quando ele faltava, o João (pai de Eleninha e Angelim) preparava o animal com o cilhão (uma peça de arreio), o posicionava bem próximo dela, e colocava uma cadeirinha para ela subir. Elena subia no estribo, pisava no meio chinelo que tinha uma correia de couro pendurada no cilhão e, com o pé dentro, partia rumo aos seus compromissos.
O cilhão, comprado no Brasil logo depois que chegaram da Itália, era de couro marrom e forrado com um tecido cor de café com leite. “Na frente na cabeceira dele, agarrado, tinham dois (pareciam) tijolos. Ela colocava uma perna no meio deles para não escorregar e viajava segura. Para a mula andar, sempre tinha uma pessoa que puxava o cabresto”.
João voltava para casa a pé, deixando a mula para sua mãe retornar. O homem que foi pedir pelo socorro de Elena ficava na casa até o neném nascer- às vezes demoravam dois ou três dias- e a levava de volta, também puxando a mula. Tanto a parteira quanto sua mula voltavam bem cansadas. As netas preparavam uma gamela com água morna e um punhado de sal e faziam um banho nos pés e nas pernas inchadas da avó, que ia descansar. Daí uns dias costumava aparecer outro para busca-la.
“Minha avó fez o parto do Alfredo Sossai e na época eu tinha uns 11 anos de idade. Ela morreu com 97 anos e já estava enxergando pouco”.
O tombo
Numa certa ocasião que estava sozinha acredita-se que a sua mula tropeçou e Elena caiu. Consta nas anotações de Eleninha, que Elena quebrou o braço esquerdo e gritava de dor. Para consertar, a família foi a pé buscar Tereza Spadeto, pois não tinha condução, e ela andou de São João de Viçosa até na Tapera.
A mulinha no pasto
Por volta dos 10 ou 11 anos de idade, entre as responsabilidades de Eleninha (dos irmãos e primos do pai de João) estava a de ir pegar a mulinha no pasto. Ela colocava o cabresto na cabeça da mulinha e a puxava até na frente da casa grande. Quando estava meio espantada, o seu pai ou seu tio Angelim iam buscar e ela aproveitava a oportunidade de montar na mulinha pelo menos até em casa. “Era muito bom”. Ela relatou que, quando iam em dois para pegar a mula, as crianças não montavam e tinham que puxar o cabresto se o animal nem andava de tão manso. “A cor dela era cinzenta”.
Quando Elena ia na igreja, sua filha Pierina costumava puxar o cabresto e amarava a mula debaixo de um rancho até a reza terminar e voltar para casa.
João colocava o coro de boi no córrego d'água até curtir e, quando ficava macio, fazia umas tiras e enrolava duas, do mesmo jeito que faz rosca de pão. Depois media a cabeça do animal e ia fazendo a cabeceira. Para fazer a peça de puxar, cortava um pedaço de couro de dois metros e amarava por baixo do pescoço, perto do queixo, e colocava uma argolinha de metal para fazer a emenda.
Visita de Roberto Feitosa
Era comum Antônio Roberto Feitosa ir conversar com Elena. Ele se dirigia para onde ela estava na casa ou na propriedade. Em uma das ocasiões, ele a encontrou sentada no toquinho de madeira, que era o banquinho dela, que ficava na ponta debaixo da mesa, dentro da cozinha. “Ele chegou perto dela e começou a conversar. Falava: “manha radici e polenta, se referindo ao almeirão com polenta. Ela só tinha dois dentes na parte debaixo”.
* O texto acima, que conta um pouco da história da parteira, foi construído a partir dos bilhetes deixados por sua neta Eleninha.